terça-feira, 29 de julho de 2008

Apenas outro herói-libertador/tirano africano



Mugabe é só mais um daqueles heróis-libertadores/tiranos da África.
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Será que a primeira parte do título dá-lhe direito de ser a segunda? Nós, do lado de fora, sabemos que não. Os representantes da SADC (Southern-Africa Comission) parecem achar que sim.
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Voltando um pouco atrás para analisarmos a história desse homem... (excerto retirado do Wikipedia)
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Pertencente à etnia shona, filho de um fazendeiro local, foi educado numa escola de jesuítas. Foi professor primário na antiga Rodésia, Zâmbia e Gana entre os anos 1942-1949 e 1955-1960. Possui diplomas de inglês, História e Educação nas mais prestigiadas universidades africanas e obteve a licenciatura de economia (por correspondência) na universidade de Londres.
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Participou no movimento de Joshua Nkomo, a União Popular Africana do Zimbábue (ZAPU), em 1960 e três anos mais tarde funda a União Nacional Africana do Zimbábue - Frente Patriótica (ZANU-PF).

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É preso em 1964 devido às suas actividades políticas sendo libertado em 1974 altura em que parte para Moçambique onde lidera uma guerrilha que se opõe ao Governo de minoria branca de Ian Smith. Com o acordo de paz de Lancaster House, assinado em Londres em 1979 após meses de negociações, Mugabe voltou para a ex-Rodésia e foi calorosamente
recebido pela maioria negra.

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Torna-se primeiro-ministro da ex-Rodésia (já depois do fim do governo liderado por Ian Smith) em 1980 ao vencer eleições. Em Abril desse ano é declarada a independência do país que passou a ser designado por Zimbabwe ("Zimbábue").

Ele tornou-se, portanto, na época das “libertaçoes dos povos do jugo dos colonos brancos”, um dos maiores dessa leva de heróis-libertadores. Respeitado em toda a regiao.

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No início de seu governo, seu País gozou de grande crescimento economico e desenvolvimento social. Era admirado até pelos ingleses. A Rainha Elizabeth II chegou a dar-lhe um título de Knight Commander of the order of the Bath em 1994 (recentemente anulado).
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No entanto, após pouco tempo, ele tomou o caminho tragicamente comum a todos os países africanos. Começou a isolar-se no poder, centralizando todas as maiores decisoes do país em suas próprias maos, e eliminou os partidos de oposiçao.
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Logo veio a onda de grandes empréstimos do exterior, taxas de inflaçao estratosféricas, e um povo cada vez mais miserável.
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As estimativas mais conservadoras determinam uma inflaçao hoje de 100.000% ao ano. Um quilo de galinha custa, por exemplo, 15 milhoes de dólares zimbabueanos.
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Voltamos, entao, à realidade atual...
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O povo do Zimbábue finalmente deu um basta à tirania deste homem. O peso dos heroísmos dele finalmente foram vencidos pelo peso das desgraças que está provocando ao próprio povo que lutou para libertar.
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Nas eleiçoes deste ano o candidato da oposiçao, Tsvangirai, venceu o primeiro turno com 49% dos votos.
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A contagem, no entanto, demorou dois meses para sair. E nesse período, os chamados Green Bombers (milícia de jovens controlados pelo governo) fez a sua ronda de terror pelo país. Nas províncias onde a oposiçao venceu (todas, menos onde Mugabe nasceu), eles incendiaram casas, espancaram pessoas com cintos, correntes e chicotes, e em alguns casos queimaram-nas vivas.
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Após a divulgaçao dos resultados, em Abril, anunciaram que haveria um segundo turno, em Junho.


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A violencia nesse período foi tanta que o candidato da oposiçao teve que refugiar-se dentro da embaixada da Holanda, de onde, mais tarde, anunciaria a desistência de sua candidatura.
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Uma das atrocidades mais visíveis foi a agressao à mulher de um líder da oposiçao, que foi queimada viva dentro de sua casa por Green Bombers frustrados por nao terem conseguido encontrar o homem.
Além disso, a polícia saqueou diversas unidades do partido da oposiçao (MDC), prendeu Tsvangirai por cinco vezes em Junho, além de ter preso e assassinado diversos parlamentares eleitos, e outros representantes do partido.
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A pergunta que fica chega a ser infantil: pra quê fazer eleiçoes, entao? Melhor meter-se logo uma coroa de rei, e seguir em frente com a vida. Já conhecemos bem teatros eleitorais, onde regimes ditatoriais simulam uma votaçao justa para “inglês ver”. Este teatro, no entanto, foi feito com acesso aos bastidores: Ao mesmo tempo que víamos as supostas eleiçoes democráticas, acompanhavámos, atônitos, os horrores que eram praticados para garantir o resultado de interesse do Governo.
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Mugabe venceu as eleiçoes no segundo turno, em que concorreu sozinho e saiu com mais de 80% dos votos (o nome do opositor ainda constou das cédulas). A populaçao foi motivada a ficar em casa, para evitar mais mortes e violencia.


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Dias depois do resultado divulgado (este foi publicado em menos de 48 horas), Mugabe apareceu como presidente eleito na reuniao da Uniao Africana. Ali, onde os líderes africanos deveriam discutir o acesso à água em seus países, só se falou nele.
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Agora, quem deles vai intervir para salvar o povo do Zimbábue? Da nossa regiao aqui do Sul, somente o presidente do Zambia opôs-se abertamente ao homem, no entanto, o estado de saúde dele nao permitiu-o estar presente na reuniao.
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O da África do Sul, Thabo Mbeki, foi indicado no inicio do ano para representar os países do SADC na negociaçao com Mugabe. Ele, no entanto, nunca mencionou a violencia e muito menos denunciou-a.
Em Moçambique, acoberta-se os horrores desse tirano. Claro, como vimos antes, ele lutou para a libertaçao do povo moçambicano também. A manchete do jornal Notícias um dia após as eleiçoes foi “Eleiçoes correm tranquilamente no Zimbábue”. O texto embaixo explicava que “observadores diziam que as pessoas estavam a votar em massa”, ao mesmo tempo que víamos na internet fotos de locais de votaçao desertos.
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Isto num cenário em que a UE diz que os líderes africanos que têm que lidar com esse problema.
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O Bush aprovou sançoes duras. Inglaterra também. UE nao, preferiu poupar o povo de mais uma pancada. Afinal de contas, o sofrimento do povo nao parece mesmo afetar as decisoes desse tirano.
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Agora continua o tal teatro sem cortinas. Mugabe e Tsvangirai obedeceram um pedida da Uniao Africana para negociarem um “governo de poder compartilhado” e estao a tecer um documento neste momento, com um prazo de duas semanas para assiná-lo.
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Ora, muito bem. No entanto, como será dividir o trono com esse senhor, que ficou vinte anos lá, mandou matar milhares de pessoas porque desobedeceram suas ordens, que mata seu povo de fome, que rouba dos cofres do governo abertamente... Como ele poderá dividir qualquer coisa com seu maior inimigo?
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Alguém há de se matar. Nao existe poder compartilhado neste caso. A Alemanha que é a Alemanha mal conseguiu fazer isso. Imaginem o Mugabe!
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Nesse teatro, é o povo quem sofre. E ninguém pode fazer nada por ele. Estao encarcerados nesse teatro de horrores. Trancados em casa à espera da próxima onda de violencia. Tremendo de medo ao ouvir barulho de carro à noite, rezando para nao ser mais uma vez o exército de bêbados, cruéis do Mugabe.


Links:
http://www.madamandeve.co.za/ (cartoons. vá em "archive" e procure por "mugabe")

Fontes:
Livro "The State of Africa" de Martin Meredith
Wikipedia.org
Sites listados acima
Jornal Noticias (Moçambique)

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2 comentários:

Anônimo disse...

Carai mano, eh duro ver tanto sofrimento!! Tanta falta de respeito com o próximo!! Bro, excelente texto!!
Abração.
Mascote

Anônimo disse...

Fora de uma necessária imediata intervenção da ONU para que se fizesse uma eleição realmente democrática, acho que temos um problema mais profundo aí. Ainda mais por se tratar de um país da África, que nunca conheceu algo minimamente diferente de um governo que "mandou matar milhares de pessoas porque desobedeceram suas ordens, que mata seu povo de fome, que rouba dos cofres do governo". Isso é comum na África. Sempre foi. Basta digitar, um por um, os países do continente no Wikipedia mesmo. Vai sair lá: ditadura, genocídio, corrupção, etc... e não estamos falando de séculos atrás apenas, mas da história contemporânea.

Se nunca existiu algo semelhante a um Estado democrática e liberal nesses países, como então exigir que o povo se levante por algo que não conhece??? Certamente, alguns dos grandes heróis-tiranos-genocidas-da-libertação são as pessoas mais esclarecidas a esse respeito em seus países (lembrando que os países na África não são países de longa data, mas demarcações feita e desfeitas pelos colonizadores na qual juntam-se e separam-se diferentes tribos/reinos). Eles geralmente tiveram acesso à cultura política européia, estudaram em instituições de padrão europeu, e puderam, assim, pregar um horizonte de paz, igualdade, direitos humanos, liberdade... Essas coisas inventadas no século XVIII europeu. Só não podemos esquecer que, como esses líderes também são humanos, sem um mecanismo forte que os impeçam de agir como bem entenderem, logo mostrarão o lado mais perverso do que é a humanidade.

E o povo? O povo os apoia pois é melhor ser livre do que viver subjugado a uma casta de colonizadores brancos. O povo, como é normal do ser humano, irá apoia-los nas suas maiores atrocidades para atingir ou manter sua imediata zona de conforto, mesmo que isso seja passageiro, mesmo que o caos seja explícito e eminente.

Aqui no Brasil tivemos algo parecido: A ditadura (civil)militar.

Muito confuso, né? Tanto eu quanto a situação. Depois explico melhor.