Acabando esse suplício fomos ao Copo d’Àgua. Noutro subúrbio chamado “Caniço”. Ali é tão rara a imagem de um carro-banheira decorado, com mulungos de motoristas, que as pessoas não se aguentavam e gritavam nomes para nós pela rua. Os mais simples iam para o básico “Muluuungoo!!” e outros pegos de surpresa mandavam um “ê! O mulungo é o motorista dos mulandi!”. Tudo isso acompanhado de sorrisos, risadas e gargalhadas.
A noiva só sai do carro quando a seqüência de tapetes de palha estendidos entre o carro e a casa está pronta. Ela não pisa no chão até chegar lá.
Ali dentro, no chão de areia, os coros puseram-se a cantar por aproximadamente meia hora. Já 16:30 de um dia que começou cedo... demais. Já estava muito perto da hora do jantar na casa do chefe da Louise. “Vamo pra casa!”. Que nada... Cometemos a maior gafe possível. As pessoas nunca haviam sido tão magoadas na vida. Um doido ia insultando-nos pelo caminho. “I know you’re europeans... time is money. But at least have a potato before you leave!”. Parece que sair sem comer é sinal que estamos com nojo da comida. Bem, fazer o quê... fomos embora. Eles não, até as seis da manhã do dia seguinte.
Edson e sua Mulher, Marta
As pessoas seguiram diretamente para a festa na Igreja Arca da Salvação. Nós pulamos esta etapa. Chegamos à casa do Sêo Adriano às 12h para o almoço que seria seguido da festa. As pessoas viradas do Sábado para o Domingo ainda achavam energia para dançar, comer e cantar. Tudo sem bebida, uma vez que era uma festa basicamente religiosa.
O auge da festa em termos culturais foi a chegada da família da noiva. Após estarem todos os parentes do Sêo Adriano acomodados à mesa, chega um “lululululu” massivo vindo da estrada. Um ônibus com os representantes da família da noiva. Elas (todas mulheres) entraram com seus respectivos presentes na casa central e ficaram lá até o momento da entrega. E o resto da festa imóvel enquanto passavam. Nada de cumprimentos nem cooperação no coro.
Já o auge do ponto de vista do povo foi a tal entrega de presentes. Para começar os padrinhos, que são os verdadeiros responsáveis por toda a festa, colocam o seu no meio do pátio de areia. Um armário de madeira trabalhada com portas e estantes de vidro.
Nós, como convidados de honra, entramos no ritual. Eu não tinha presente, mas tinha 1.000 contos no bolso e um discurso pronto. A Louise deu a idéia de entrarmos com as crianças cantando algo em Ronga. Escolhemos uma líder que rapidamente juntou mais dez e serviram de pano de fundo para a principal cena da festa. Com passos lentos e embalados pelo coro infantil, fomos andando rumo ao centro do picadeiro com centenas de olhos e sorrisos sobre nós, e eu com os olhos fixos no Sêo Adriano, que quase me engolia com a expectativa do que poderia vir. Não só o dinheiro, mas também o gesto.
Os noivos e os padrinhos esperando os presentes
Chegando na frente dos noivos e padrinhos, pedi silêncio às crianças e fiz meu discurso aqui reproduzido:
“Nos enche de orgulho poder estar presentes e acompanhar tão de perto este importante momento na vida do Sêo Adriano e da D. Maria de Fátima, que depois de 40 anos de namoro oficializam sua união.
Agradecemos a oportunidade de poder participar desta cerimônia, conduzindo o casal.
Desejamos a vocês tudo de melhor e mais 40 anos de namoro.”
A voz era consumida pelos ares e devorada pela pequena multidão. Já não tinha energia para colocá-la mais alta, mas puxei do fígado e foi.
Ao final da festa, já escuro, com a pouca iluminação disponível no quintal de areia do Sêo Adriano, me juntei ao Edson para entender melhor o porquê daquele convite para participarmos de uma forma tão especial daquele momento. O homem explicou-me que ele e sua família são ignorados pela sociedade: amigos e até parentes mais próximos. “Somos pobres”, ele me dizia, “e a presença de pessoas tão importantes como o Sr. Luíx Paulo e a Dona Luisa dá muito prestígio à festa. A alegria das pessoas é enorme pela presença de vocês. Meu pai está muito feliz hoje por causa disto. É uma honra muito grande para ele.”
Maputo, Julho de 2007. Texto: Luís Paulo Camisasca. Fotos: Luis Paulo Camisasca. Fotos Palácio Casamentos: Louise Ribas.
Videos relacionados a este trecho da história:
http://br.youtube.com/watch?v=SepbK9xqPK0 (entrada familia da noiva)
http://br.youtube.com/watch?v=D691fGsI0Pk (eu entregando - 03 segs)
http://br.youtube.com/watch?v=OBohHg5sUYE (eu entregando - 01 seg)
http://br.youtube.com/watch?v=w7mkpywkVGw (entrega de presentes - senhoras)
Por: Luís Paulo R. Camisasca. Inverno de Maputo, 2007.