segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Show dos Miúdos












Triunfo, bairro do suburbio de Maputo, começa à beira da praia, onde há barracas e o Mercado do Triunfo – aglomerado de barracas com base de madeira e teto de zinco. A trezentos metros da praia, em frente ao enorme edifício dos Testemunhas de Jeová está o contentor da Sofia (ou Contentor da Coca-Cola). Rua ampla, de areia, crianças correndo e brincando, e as mamanas (senhoras) de capulana, vendendo frutas, verduras, peixe, bebidas e tudo o mais em frente de casa.

Este bairro, assim como diversos outros, é caracterizado pelos maridos ausentes, que deixam a casa para ir trabalhar na África do Sul, nas minas, nos negócios “empreendedores” ou qualquer área que lhes dê o dinheiro suficiente para sustentar a família em Moçambique.

As casas são as típicas do suburbio de Maputo. Terrenos espaçosos, com casas de tijolo puro e teto de zinco. Com a ausência dos homens adultos, o cenário é tomado pelos miúdos, como dizem por aqui e a meia dúzia de bêbados nos botecos de bairro.

Num sábado, dez horas da manha, o Francês e eu acabamos lá, mais uma vez, conversando com nossos amigos: Sofia, Amália, e famílias. Entre uma cerveja e outra, à espera do Cara-Pau da Margareth, conheci o Fari (Selecta Fari, artista do reggae) do Zimbábue.

- So, mate, what are you doing here?

- We are on tour in the country!

- Oh! Wonderful! Why don’t we have a concert right here, at the contentor?!

- Sounds good! I’ll be back here around two weeks.

- Perfect! In two weeks time, then! But I have no money to pay you. It has to be cheap!

- All we need is a couple of speakers. The most important is to have Jah in the heart! Jah, rastafari!

- Cool! What’s your name again?

- Fari...

Assim começou a história, e assim começamos a divulgá-la. O Francês logo começou a falar com os conhecidos dele no bairro, e fomos em frente. Na semana seguinte, marcamos a data certa: 27 de Setembro.

Comunicamos a todos os amigos mulungos, que de primeira achavam que era uma doideira nossa, da nossa vida de suburbios. Mas logo que ouviram sobre a quantidade de miúdos no bairro, abraçaram o projeto e disponibilizaram-se para ajudar: Comida para 60, transporte, músicos, registros legais, etc. Cada um cuidou de uma parte.

Faltando uma semana para o evento já tínhamos dois músicos além do Fari: Sr. Alberto Mula – legenda da Marrabenta – ritmo local, os Amigos da Percurssao, vários jovens que tocam em diversas bandas e juntaram-se à causa, e o Mr. John, que toca música latina, francesa, etc.



O dia


No dia do evento eu passei muito mal. Dormi com o maxilar travado, da tensao da organizaçao dos detalhes, e acordei com dor em toda a cabeça. Estava gripado, com tosse, febre, e dor de garganta. Desesperei, mas meu alívio foi saber que já estavam todos preparados com seus respectivos papéis e que fariam mesmo sem mim. Foi entao que olhei para fora para olhar o tempo: cinza, vento, frio.




Ótimo!
Ainda eram 06:30h. São Pedro ainda tinha oito horas pra mudar essa história.

Após alguma luta conseguimos juntar os músicos, comida, gente da organizaçao, miúdos e tudo o mais no Contentor. Eu, com uma cara de zangado-cansado no dia que achei que sorriria o tempo todo... Mas contente de ver que as coisas estavam caminhando.

Logo, a má notícia. Fari liga de Tofu, Inhambane, a 800km de Maputo: I can’t come, mate! I can’t make it!

Ótimo de novo!

As meninas logo começaram a animar os miúdos. Tirei os baloes do carro, o que logo juntou todos a volta do Contentor. Elas organizaram umas brincadeiras, e começaram a dar-lhes comida. Não era exatamente um Carril de Amendoim, o que dificultou um pouco a degustaçao, mas pelo menos estavam já preparados para uma tarde animada!

Lá dentro, quando começamos a tocar, foi que a mágica começou a acontecer. Os miúdos estavam ávidos pela festa, pela música, por nossa atençao, por dançar, participar, ganhar brindes... Todos nós estávamos também animados, motivados a fazer nosso melhor para criar um ambiente fantástico para eles.

O Sr. Mula, com sua extensa família, começou o espetáculo. Logo vieram as bailarinas, os bailarinos, e não demorou para que ele próprio do auge dos seus tantos anos, levantasse para dançar, para delírio do público.

Os jovens da percurssao seguiram, com uma adrenalina impressionante. Djambé, timbila, guitarra, baixo, canto... arrebentaram.

Entre os concertos, e os problemas técnicos, íamos fazendo os concursos de dança. Eu tinha trazido uns brindes – ursinho de pelúcia, bola de futebol, giz de cera, etc – para os vecedores. Eles piraram absolutamente. E nós mesmos ficamos impressionados com o desempenho deles na pista. Aos 4, 5, 6 anos já dançavam melhor que os mulungos todos juntos!

Enfim, o ambiente que criou-se ali foi fantástico. O último artista a entrar foi o Mr. John, que a princípio não iria tocar, mas sentiu-se entusiasmado pelo clima ali criado. Foi lá, e deu mesmo um show! Subiu em cima da caixa de som e tudo!

Para mim, o mais impressionante desse evento foi a voluntariedade de todos em dar o máximo de si para aquele grupo de 60 miúdos. Éramos mais de 30 pessoas reunidas, sem questionar dinheiro em nenhum momento, simplesmente para passar aqueles momentos com aqueles meninos e meninas desconhecidos.

Algumas pessoas do bairro agradeceram-nos após o concerto. Não precisava. Não precisava mesmo! Pois somos nós que temos que agradecer. Saímos todos com o coraçao cheio, de ver aquelas caras, a alegria genuína e ingênua daquelas crianças. De transparecer o prazer simples de passar uma tarde agradável, brincando, dançando, e acima de tudo, gozando daquela atençao toda voltada só para eles.

*(peixe tradicional desta regiao da Africa, preparado pela prima do Américo).

Obrigado,
Francês, coordenador legal e jurídico
Valentina, Coordenadora dos miúdos
Yara, Chefe da alimentaçao
Gonçalinho da Viola – que teve seu primeiro concerto de Marrabenta lá
Caroline
Alberto Mula e familia
Mondinho e os amigos da percurssao
Joao Aquino (Mr. John)
Ao safado do DJ Junior e sua equipe
Edson Mabote e família, que desceram de Malhazine pra fazer a segurança
Victor, o assessor jurídico
Ao fotógrafo até entao desconhecido Sérgio, o único no dia, que salvou-nos a pele
Stefania
Nicola Bona
Alessia
Serena
Giacomo, o Russo
Francesca
Leone, Silvia, Marcellin, Enrico, Nicola, Giovane, Guillaume, Laura e Sonia pela presença e animaçao
Tia Sofia, que nunca havia trabalhado tanto naquele Contentor...
Ao Secretário do bairro, a polícia, e até o vereador que concederam-nos a licença para fazer bagunça na casa dos outros