terça-feira, 7 de julho de 2009

Dica pros G8

Nestes tempos de quase destruição da Terra, temos feito muita reflexão a respeito de como reduzir a nossa produção individual de CO2, consumo de água, e de como harmonizar nossa relação com o proprio lixo.

Entao, agora, dou para vocês, e para os líderes mundiais, uma dica secreta para a solução de todos estes problemas que ameaçam a nossa própria existência: A Receita da Mamãe:

- "Bota no prato só o que vai comer"
- "SAI DO BANHO, MENINO! TÁ GASTANDO ÁGUA À TOA!"
- "Apaaaaga a luuz do quaaaarto!"
- "Lembrou de desligar a mangueira?"
- "Desligou a bomba da piscina?"
- "Nao nao, prefiro lavar à mão. Desperdiça muita energia e água essa máquina..."
- "Fecha a porta quando o ar-condicionado tiver ligado"
- "Desliga o ar-condicionado quando sair do quarto"
- "Deixou o fogão aceso pra que?"
- "Tá fazendo o que aqui, menino? Vai tomar banho? To ouvindo a água do chuveiro caindo!! Ou desliga ou entra no chuveiro!"
- ...

Se alguém souber de alguma outra frase materna que pode entrar neste documento-referência para a cúpula do G8 na Itália esta semana, por favor, comente aqui.


quinta-feira, 4 de junho de 2009

Tchau, Maputo (Parte 2 - final)

E por falar no Edson, foi ele que me ensinou muito a este respeito. A primeira vez que olhei para ele, vi uma pessoa simpatica, simples, e um pouco ignorante, pela forma de falar e os erros que comete no portugues. No entanto, apos decifrar essa nova linguagem, e sentar-me calmamente com ele para compartilhar uma 2M de meio litro no Mercado do Museu, fui bombardeado com uma experiencia de vida que mudou meu jeito de ver as coisas para sempre. Desde as noçoes mais bestiais da cultura moçambicana, até a aprendizagem de valores inéditos para mim.

- Edson, para que saiste com outra mulher, se tens a Martinha em casa, te esperando bonita e cheirosa? Nao gostei...

- Luix Paulo, o Luix Paulo tem cerveja gelada em casa?

- Como, Edson?

- Sim. Tem cerveja gelada na geleira em casa?

- Sim, sim. Tenho sim.

- Pois é. E o Luix Paulo nao vai na barraca beber?

- Sim...

- Poix. Tà ai!

Bom, ok. Eu escolhi um exemplo comico, mas ele define bem a forma que esse amigo passou-me um pouco da sabedoria dele.

Estas culturas, esquecidas pelo mundo, trazem-nos um ensinamento importante. Vejamos...

Eles sabem viver em comunidade melhor que nòs, ocidentais. Os bairros aqui sao como grandes familias. é comum ouvir que um vizinho de infancia é um primo, ou que um colega de escola é um irmao.

E, nesta rede de solidariedade, entra também o suporte financeiro. Como jà diz a cançao, "amigo é quem ajuda, Joe! Ajuda o teu amigo, pà!"

Outro aspecto importante para nosso convivio harmonioso com esta Terra em tempo de aquecimento é a reciclagem. Utilizam tudo até o talo. Por necessidade, sim. Mas pelo que tudo indica, este é um valor que temos que aprender no mundo todo.

As palmeiras, que dominam a paisagem de vàrias regioes do pais, servem para:

- Madeira, moveis para casa.
- A camada que envolve o tronco é desfiada e utilizada na confecçao de tecidos
- A seiva é fermentada e se transforma na Sura.
- As folhas sao uma materia-prima comum para a construçao de tetos. Secas e entrelaçadas proporcionam sombra e protegem da chuva.

Agora jà nao ha tanto despejo de eletro-eletronicos de segunda mao vindos da europa e EUA. Agora sao os produtos Dubai (termo utilizado para denominar os piratas, nao importando de onde vem) os substituiram. Por um preço baixo, sais da loja (ou da barraca no mercado) de Nokia novo e brilhante.

As festas de 48hs.
As diarréias de 48 ou mais horas.
Os camaroes gigantes e baratos.
O nascer do sol no Triunfo.
O cara-pau da Margarete.
O sorriso de um "miudo".
A malemolencia dos moçambicanos e a sensualidade das moçambicanas nas danças.
O carinho dos amigos e conhecidos...

Sao memorias que ficam gravadas na mente e no coraçao. Muito disto vai se perder, mas sei que ao rever uma foto, um video, ou ao rever um amigo de là, esta emoçao vai florescer e trazer um raio de alegria em mim, onde quer que eu esteja.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Tchau, Maputo!

Eu, perdendo o vôo de 15h55 do dia 15/05 pra Johannesbourg. Mas peguei o seguinte...


Despedida. Só uma cervejinha com os amigos...


15/05/2009

Aviao de Maputo a Paris

Hoje acabou. Depois de ter esta data marcada na cabeça por tanto tempo, acabou.
Estou sentado num aviao da LAM, rumo a Johannesbourg. Hoje ainda tive tempo de acordar tarde, de ressaca, de trancar a chave dentro de casa pela ultima vez, e de finalmente perder o voo das 15h55 a JHB. Vou um pouco mais tarde, mas ainda a tempo de pegar a conexao.

Acabei de arrancar as ultimas raizes hoje. Já há uns mese eu vinha me preparando para este momento. Emocionalmente fui me desligando das pessoas, das coisas, do trabalho... A última raiz mais profunda foi a romantica, que resolvi com a vinda da Marcella (mérito dela). Esta raíz eu tentei tirar com todo o cuidado para sair intacta e poder ser replantada noutros sítios.
Sinto-me como o Howl, com seu castelo ambulante (moving castle).

Reduzo o meu peso, retiro, jogo fora. Elimino tudo o que não fará parte dos próximos passos, e sigo em frente com força total.
Amanha chego a Paris, com tres malas, totalizando 41,5Kg, e já tenho que estar pronto para os desafios a frente. Segunda, 14h, tenho que estar firme e forte no escritório central da Total em Paris (18/05). Logo, vou a Milao (26/05) fazer mais entrevistas... Só sei onde isto começa. Onde e quando acaba, não tenho nem idéia.

Agora, vendo Maputo do alto, lembro-me do dia da chegada. Há 2 anos eu via Maputo como a África. Olhava com os olhos de quem veio com uma idéia pronta, e procurava ansiosamente confrmá-la: encaixar a realidade que eu estava vendo naquelas gavetinhas na cabeça, que contêm os pré-conceitos sobre tudo e todos.

Hoje saio com uma visao engrandecida, de uma realidade que se impôs sobre mim quando eu já achava ter todas as respostas.

No final, aprendi a ir com calma nos julgamentos, decisoes, atitudes... Vejo que correr para a frente e para trás pode ser evitado se eu der passos serenos e seguros.

Outro grande aprendizado foi a escuta. Parar na frente de uma pessoa, quieto, e absorver o que ela tem a dizer. Não só ouvir as palavras, mas sentir a pessoa, sem a pressa de chegar a uma conclusao antes da hora.

Esta é uma virtude que nos esquecemos quando estamos no mundo do desenvolvimento, do estresse, do consumo e das propagandas de 20 segundos. Ficamos programados para iniciar e finalizar uma idéia o mais rápido possível. Perdemos a capacidade de começar do zero. De tirar as conclusoes com base no que nos é dito e demonstrado. De, pouco a pouco, dia a dia, construir uma imagem do Joao, do Francisco, do Edson...
... a continuar... (ainda tenho que digitar o resto)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Carta aos Pais

Gente, olha lá. Está ali embaixo o anúncio oficial da minha saída de Moçambique. O fim de uma etapa importantíssima na minha vida. No dia 15/5, às 15h55 vou estar embarcando para deixar a África para trás, iniciando já minha próxima aventura.

1.CAMISASCA/LUIS PAULO MR
2 SA 145 Y 15MAY 5 MPMJNB HK1 1555 1705 15MAY
3 AF 995 K 15MAY 5 JNBCDG HK1 1940 0605 16MAY

Nestes dois anos comecei a caminhar com minhas próprias pernas, me acostumando a tê-los numa posição diferente, somente velando pelo meu caminho, torcendo para cada passo dar certo, e celebrando comigo as pequenas vitórias.

E foi com minhas próprias pernas que conheci esses momentos únicos que certamente me acompanharão para o resto da vida. Um quase-casamento, seguido de uma vida livre de descobertas e exploração, que abriu caminho para uma nova paixão, com raízes européias desta vez.

Conheci centenas de novas pessoas. Sou reconhecido na rua, e admirado por diversas pessoas que nunca achei que fosse conhecer. Através dos meus próprios passos, sei que posso levar um sorriso à cara das pessoas, ou trazê-las tristeza.

No trabalho, dediquei-me de coração em alguns momentos, e tive resultados de impacto. Daquilo que eu esperava construir no meu Marketing Moçambicano, nem 50% consegui fazer, mas parece que a marca que deixei vai ficar presente por muito tempo na empresa, e isto me deixa mais satisfeito.

Todas essas experiências rasgaram meu coração, elevaram-no a alturas nunca antes experimentadas, com quedas que geraram um medo que nunca havia sentido, esvaziando minha alma, só para vê-la inflar-se no passo seguinte. Enfrentei quebras-cabeças que só eu podia resolver, com os conselhos de longe que me davam inspiração e coragem.

Essas experiências marcam. De corpo e alma estou marcado, e vou para a próxima parada mudado. Sou um novo homem, novamente. Não reconheço aquele Luís Paulo que saiu de Barcelona há dois anos. Na verdade, na maioria das vezes que lembro dele, quero dar-lhe uns belos tapas na nuca, para acordar.

Enfim, vamos de peito aberto. Não será fácil. Sei que do lado de lá as coisas são diferentes. O pequeno planeta que eu reinava agora fica para trás. Em bom tempo, para evitar acostumar-se com o conforto do trono. Por enquanto, quero uma cadeira de espinhos, que me motive sempre a andar pra frente, em busca de sabedoria e crescimento.

Um beijo e um abraço forte a todos. Por aqui está tudo ótimo.

Luis

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Apresentação do Edson à Família da Marta










Domingo passado fui à casa do Edson, em Malhazine... Lá onde o Sêo Adriano Mabote casou-se com a Dona Fátima depois de 40 anos de namoro. Pois é. Agora é a vez do filho começar os preparativos.

Presenciei a cerimônia da apresentação. Como a namorada dele mora em Inhambane, a mais de 600km daqui, tiveram que fazê-la a distância. Explico:

A Tia Fernanda, Delegada da Frelimo (partido no Governo) e mais dois tios foram encontrar a família da namorada nessa vilazinha. Saíram às 05h da matina dum sábado num onibus com bastante dinheiro no bolso e disposição para negociar.

Chegando lá, 12 horas mais tarde, caminharam mais 7km, e foram recebidos com muita festa e cerimônias tradicionais. Agora... sente-se à mesa!

Em jogo estava a filha. A namorada do Edson: Marta. Os familiares dela faziam muita questão de enfatizar para o Edson (cuja presença era dispensável no dia) que ele havia cometido erros e devia pagar multas por isso. Preço final: 2.500 meticais = 250 Reais.

As multas podem ter qualquer motivo. A dele veio por haver cometido adultério com Marta por um período de cerca de 3 anos. E ainda vai ficar devendo 1.500 meticais para pagar aos poucos. Para quê? Para fechar as entradas... garantir a exclusividade... ter certeza que ninguém vai urubuzar a menina.
Há 3 anos atrás... Edson e Marta foram pegos em flagra. Após uma noite juntos na casa dele, em Malhazine, ele foi levá-la em casa pela manhã. Ao chegar, foram pegos pelos pais dela.
- Só podes levá-la de volta pra casa!
- Nãão... dixxculpa lá... não é nada dissoo...
Depois de algum blablabla, Edson consegue voltar a casa sozinho. Bem.
No outro dia, chegam na casa dele, cinco homens, e a Marta atrás. O que vinha à frente do grupo levava um cajado na mão. Era o conselheiro.
- Você é o Edson Mabote?
- Sim. Sou eu.
- Marta, você conhece esse homem? Dormiu aqui ontem?
- Sim.
- Você gostou dele? Se divertiu?
- Sim.
- Então, deixem lá ela. Agora ele é que toma conta dela.
- (edson) Não, mas vamos lá conversar, porque...
Cajado ao ar, homens tensos, discussões em dialeto... Em suma, ela deve ficar na casa dele daqui em diante. E se um dia levá-la de volta, vamos voltar a trazê-la aqui.
Foi assim que começou o processo para o casamento. E por isto ele teve que pagar caro.
Ao final das negociações, combinaram a data do casamento para Outubro deste ano com as seguintes condições:
- A cerimônia deve realizar-se em Inhambane às custas do noivo
- Para o Lobolo (dote) a família do noivo deve providenciar:
. 2 porcos (1 femea 1 macho)
. 2 cabritos (1 femea 1 macho)
. 75kg de arroz
. 50kg de farinha de milho
. 2 capulanas mucumbe (2 costuradas por uma renda no meio) para a mãe
. 2 capulanas mucumbe para a avó
. Roupa da noiva
. Fato do pai completo
. 10 caixinhas de sumo Davida
. 1 lâmina de lenha
A partir daí, a Martinha é toda do Edson. Ou melhor: da família do Edson. Ela continua a morar com eles, e como a nora mais nova, cuida das tarefas domésticas num terreno de 300m2 e três casas.

terça-feira, 24 de março de 2009

Medo dos Muçulmanos?




Desde a minha infância escuto histórias arrepiantes sobre a dominação muçulmana no mundo. "Eles são a religião que mais cresce. Temos que ficar de olho!". O atual Papa chegou ao ponto de dizer: "Mostre-me o que Maomé trouxe de novo, e só encontrará coisas más e desumanas". Outro, o Arcebispo de Lisboa, disse às mulheres portuguesas que ao casar com um muçulmano elas não imaginam a quantidade de "sarilhos" em que se estariam metendo. Não quero entrar aqui na questão da razão para este medo dos muçulmanos. A minha pergunta é: a quem ou a quê devemos realmente temer?




A Igreja Católica, somente nos últimos meses, foi a protagonista de dois episódios bastante ilustrativos de questões morais e éticas que afetam toda a sociedade. Primeiro, o da menina estuprada pelo padastro, que engravidou e abortou. No segundo, o Papa afirma na Nigéria que os preservativos não são a forma ideal de prevenir a AIDS, e que eles até aumentam o problema.




Na primeira questão, a da menina de 9 anos grávida do padrasto, uma simples dúvida. Por quê excomungar à mãe, ao médico, e não ao pai, que a violentou? Já sei que o argumento da Igreja é que, sob as Leis de Deus, o estupro é um pecado punível com uma simples confissão, enquanto tirar uma vida humana é inaceitável e merece o maior castigo aplicável pela Igreja.




Que inversão de valores é esta? É esta a mensagem que é passada ao bilhão de Católicos no Mundo? Que pelo estupro de uma criança de 9 anos, que deveria ser tratada como filha, o cidadão deve ajoelhar-se e rezar uma dezena de Ave-Marias, e está absolvido? Enquanto a mãe, que decidiu abortar os gêmeos (seus enteados-netos) do corpo de sua filha de 9 anos merece todo o castigo possível sob os olhos de Deus.




Não me surpreende que haja tantos casos de exploração sexual por padres na Igreja Católica. Esta hierarquia de castigos diz-nos muita coisa sobre o quê a Igreja acha ruim, e o que ela acha inaceitável. Forçar uma criança de 9 anos a satisfazer-lhe sexualmente é ruim, mas livrá-la do fardo de dar à luz um par de irmãozinhos é inaceitável.




Parece que o desenvolvimento moral desses homens estacionou no Pós-Idade-Média, ignorando qualquer evolução relativa aos direitos humanos.




No segundo caso, o dos preservativos, o Papa diz a um público africano que a camisinha aumenta o risco de contração do vírus da AIDS. Ao público africano! Num continente onde 22 milhões de pessoas têm o vírus HIV somente na parte Sub-Saariana. Só em Moçambique estima-se que 25% da população esteja infectada. O argumento, mais uma vez, já conhecemos bem: a melhor forma de evitar a transmissão de qualquer DST é através da fidelidade absoluta ou da abstinência sexual.




Ok. No entanto, sabemos que os hábitos sexuais na maioria das culturas sub-saarianas é de poligamia. Se não oficial, extra-oficial. O desafio aqui, portanto, é o de mudar uma cultura. Mudar os valores das pessoas. Fazer com que tenham em seus corações que devem optar entre ter uma mulher para toda a vida, ou nenhuma.




Do outro lado, temos a batalha pela disseminação da camisinha no Continente. 500 ONGs estão instaladas em Moçambique. Grande parte delas trabalha para a redução dos casos de HIV no país. 100% delas inclui a utilização da camisinha como fator-chave para este fim.




Diversos amigos meus, trabalhadores de ONGs instaladas nestes países há décadas, declaram a dificuldade em se mudar um comportamento, e até mesmo um simples hábito. Ou seja: colocar a camisinha antes de fazer sexo - mesmo que ela tenha sido gratuita.




Pois, estamos aqui diante de dois desafios: um monstruoso e um grande. O que a mensagem do Papa faz é aumentar a desinformação sobre o uso da camisinha. Que efeito terá entre as pessoas semi-analfabetas a mensagem do chefe da Igreja Católica, dizendo que o preservativo aumenta a disseminação da AIDS? Ela não constrói no sentido de aumentar a fidelidade/ abstinência do povo africano, e serve como argumento para a não-utilização desta ferramenta com pelo menos 90% de eficácia na prevençao.




Enfim, nesses dois exemplos que citei fica clara a distância da Igreja em relação à realidade humana. "Sua oposição (do Papa) à camisinha prova que o dogma religioso é mais importante para a Igreja Católica do que as vidas de africanos" afirma Rebecca Hodes da Treatment Action Campaign na África do Sul. E a nossa experiência da atuação da Igreja no Brasil confirma essa constatação.




E com isso, fico a pensar... será que devemos ter medo da expansão do Islã? Será que é este o inimigo a combater? Eu digo que não. Que devemos temer o radicalismo, os dogmas* que levam as pessoas a caminharem cegas, insensíveis ao que acontece ao seu redor.


Pois, vejo que no Islã, o perigo está nos fundamentalistas - aqueles que interpretam de forma literal os livros sagrados. O restante dos muçulmanos são pessoas normais, que certamente não passam a vida inteira a planejar uma insurreição contra os infiéis do Ocidente. Já na Igreja Católica, o perigo vem dos radicais, que defendem a aderência cega a conceitos ultrapassados, como os que aqui citei.

Âmbos comportamentos radicais levam a sofrimento, conflitos e mortes. A nossa história é manchada de sangue por causa desse tipo de conduta intolerante. Será que queremos continuar neste caminho?

*dogma: ponto inquestionável de uma doutrina

quarta-feira, 18 de março de 2009

Dj Rajô, Presidente de Madagascar



Após dois meses de queda-de-braço com o presidente eleito pelo povo em 2007, Andry Rajoelina assume o poder em Madagascar.


A 18 de Março de 2009 a alta Corte do País aceita-o oficialmente como Presidente. O exército, normalmente neutro em crises similares, tomou o lado de Rajoelina e depôs Ravalomanana do poder.


Rajoelina, de 34 anos, era DJ antes de ser eleito prefeito de Antananarivo, a capital de Madagascar. Há dois meses foi deposto de seu cargo pelo já ex-presidente Ravalomanana e iniciou uma série de protestos violentos no centro da capital, que acabaram em quebradeira e saques a tudo o que representava o grande dinheiro do país.


Desde que cheguei em Moçambique, em 2007 já acompanhei de perto:


- Kenya em 2007-2008 (crise entre tribos acabou em tentativa de limpeza étnica contra os que representam o poder)
- Zimbábue 2008-2009 (eleições fraudadas por Mugabe. Fome, cólera, inflação atingem níveis absurdos)
- África do Sul 2008 (Ataques xenófobos nas periferias de Joanesburgo)

Além do Congo, Sudão (Darfur), Serra Leoa (ataques e estupros em massa semana passada), Guiné-Bissau (assassinato do Presidente Nino Vieira)... Parece que no Brasil evitamos falar muito sobre a África. Parece que já pensamos que o continente já está bastante fudido... está abaixo do nosso nível de consciência.

Na foto acima, o DJ-Presidente cumprimenta um simpatizante.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Primeiras Impressoes

----> Texto escrito logo após minha chegada a Maputo - Maio, 2007 <---------
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Nossa! A África é impressionante mesmo! Dormi vendo o pôr-do-sol do Saara, e acordei admirando a mistura de montanhas e floresta do Sudeste do continente. Moçambique é muito rico. Um verde intenso, cortado por rios em S e manchado por lagoas brilhantes. Imagino a vida que tem lá em baixo... Descendo do avião já sinto o sol aquecendo ate a alma, que responde com uma vibração intensa pelo corpo, expressa num sorrisão de boas-vindas a si mesmo. Sinergia instantânea com o ambiente. Sem duvida esta terra é irmã do Brasil. Entro na sala de chegada do aeroporto, mil fotos de negras com vestidos típicas, com a cara revestida em branco reforçando as boas-vindas, em inglês. To me sentindo no Jardineiro Fiel. Ate que chega a fila de controlo de passaportes. 15 minutos, meia hora... 45 minutos... passo. Balãozinho de pensamento: "Finalmente vou pegar minha mala". Nada. Correia de bagagens parada com 3 malas e 5 pessoas sentadas em cima. Pergunto ao grupo de funcionários que conversavam em dialeto. Todaj ax malax de Joanexburgo extao aqui, senhori. Ta certo. Realmente ser irmã tem seus pontos fortes e os fracos... Apos a reclamação, sai para a rua (atravessar o aeroporto demora 2 minutos - igual Vitoria), e vejo contra o sol 5 homens apoiados numa grade, que se ajeitam quando me vem, e levantam cada um a sua plaquinha de hotel. Nada do meu Ibix. Afinal, peguei um carro de outro hotel, e descobri que as plaquinhas não são lá muito fieis. 1 dólar pro ajudante, 5 pro motorista, e chego no Hotel. No caminho, parecia que eu estava rodando um documentário sobre o bairro do Soweto, na África do Sul. Essas favelas de casiculas que se estendem desorganizadamente por quilômetros (em plano - não montanhas). E no contato com a rua, vários quiosques mal-pintados com as cores da Coca-Cola. Num deles, uma criança mínima, sem camisa, deitada no balcão. O transito, calmo. Volante à direita, provavelmente inspirados pelos sul-africanos. As condições das ruas, péssimas. Calcadas se desintegrando em terra pra juntar-se ao asfalto. Carros de 1980. Alguns novos demais. Muitas caminhonetes toyota antigas - me lembrou Iraque (que nunca vi).
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Mais tarde, resolvi dar uma volta para trocar o dinheiro. A impressão que tenho daqui eh realmente que deram um controlC na civilização européia e colaram na vida tribal africana. Parece que as pessoas não estão preparadas pra trabalhar, pra viver em uma cidade, pra produzir, pra se comunicar em português... não parece natural deles, sabe?
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O que eles são muito bons é em contato pessoal. Apesar de que eles me tratam com bastante desconfiança ainda, depois de algum tempo rola uma conversa mais relaxada. Os olhares que sinto são diversos, mas que me causam alguma tensão. As vezes me sinto como um turista americano na praia de Copacabana, as vezes me sinto um europeu explorador, as vezes o sultão do petróleo cheio da grana... Tudo menos "um deles". Isso com certeza.
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Mas tenho esperança que isso mude um dia. Pois por enquanto a casca européia ainda esta muito presente. Até agora não consegui relaxar caminhando pelas ruas. Olho com olhos de estrangeiro caminho em ritmo acelerado, como quem tem um objetivo traçado.
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Eles, por outro lado, tem um espirito diferente. Você olha pra cara de qualquer um, e não parece que estejam realmente desempenhando aquela tarefa. Quando caminham, são cheios de graça, de rebolado, de aparente despreocupação... Quando alguém esta te atendendo ou trabalhando, parece que estão jogando paciência e muitas vezes tem 5 pessoas pra uma tarefa, sendo 4 observadores... Acho que é por isso que me lembrou Porto Seguro. Um clima de tranqüilidade, de que o tempo parou... o sol forte, muita gente pela rua, crianças correndo, batalhões de vendedores de rua, gente pedindo... e logo o centro da cidade, com a estatua de seu primeiro presidente - Samora Machel -, o único edifício realmente branco da cidade - a igreja da Se - e o palácio do governo. O almoço de hoje foi ótimo. Um Caril de Camarão. Igual o bobó, mas com um gostinho discreto de curry. Achei ótimo. Menos de 10 euros (300 meticais) pra duas pratadas com muitos camarõezinhos, e uma coca-cola. O tempo é ótimo. Não está muito úmido e faz calor. Tem ar condicionado no quarto. As pessoas, muito legais, depois que você quebra o gelo. As lojas aqui perto parecem o centro de vitoria. Preço baixo com produtos simples. Fui num mercadinho que tinha de tudo. Comprei uma pasta de dente e uma escova (já que minha mala não chegou ainda) por 30 meticais. Menos de 1 euro. Sorte que eu trouxe algumas coisas na mala de mão, por precaução.
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O metical tem Samora Machel na frente, e bichos variados atras. Veados, elefantes, leões...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Urnas Pequenas....









quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Scan

Para inovar... digitalizei uma página do caderno onde escrevo essas histórias todas....
Acho que se você clicar em cima dela, ela fica maior e legível (fora a caligrafia sofrível).

O texto está um pouco forte. Se refere às minha primeiras impressões e experiências em Maputo.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Show dos Miúdos












Triunfo, bairro do suburbio de Maputo, começa à beira da praia, onde há barracas e o Mercado do Triunfo – aglomerado de barracas com base de madeira e teto de zinco. A trezentos metros da praia, em frente ao enorme edifício dos Testemunhas de Jeová está o contentor da Sofia (ou Contentor da Coca-Cola). Rua ampla, de areia, crianças correndo e brincando, e as mamanas (senhoras) de capulana, vendendo frutas, verduras, peixe, bebidas e tudo o mais em frente de casa.

Este bairro, assim como diversos outros, é caracterizado pelos maridos ausentes, que deixam a casa para ir trabalhar na África do Sul, nas minas, nos negócios “empreendedores” ou qualquer área que lhes dê o dinheiro suficiente para sustentar a família em Moçambique.

As casas são as típicas do suburbio de Maputo. Terrenos espaçosos, com casas de tijolo puro e teto de zinco. Com a ausência dos homens adultos, o cenário é tomado pelos miúdos, como dizem por aqui e a meia dúzia de bêbados nos botecos de bairro.

Num sábado, dez horas da manha, o Francês e eu acabamos lá, mais uma vez, conversando com nossos amigos: Sofia, Amália, e famílias. Entre uma cerveja e outra, à espera do Cara-Pau da Margareth, conheci o Fari (Selecta Fari, artista do reggae) do Zimbábue.

- So, mate, what are you doing here?

- We are on tour in the country!

- Oh! Wonderful! Why don’t we have a concert right here, at the contentor?!

- Sounds good! I’ll be back here around two weeks.

- Perfect! In two weeks time, then! But I have no money to pay you. It has to be cheap!

- All we need is a couple of speakers. The most important is to have Jah in the heart! Jah, rastafari!

- Cool! What’s your name again?

- Fari...

Assim começou a história, e assim começamos a divulgá-la. O Francês logo começou a falar com os conhecidos dele no bairro, e fomos em frente. Na semana seguinte, marcamos a data certa: 27 de Setembro.

Comunicamos a todos os amigos mulungos, que de primeira achavam que era uma doideira nossa, da nossa vida de suburbios. Mas logo que ouviram sobre a quantidade de miúdos no bairro, abraçaram o projeto e disponibilizaram-se para ajudar: Comida para 60, transporte, músicos, registros legais, etc. Cada um cuidou de uma parte.

Faltando uma semana para o evento já tínhamos dois músicos além do Fari: Sr. Alberto Mula – legenda da Marrabenta – ritmo local, os Amigos da Percurssao, vários jovens que tocam em diversas bandas e juntaram-se à causa, e o Mr. John, que toca música latina, francesa, etc.



O dia


No dia do evento eu passei muito mal. Dormi com o maxilar travado, da tensao da organizaçao dos detalhes, e acordei com dor em toda a cabeça. Estava gripado, com tosse, febre, e dor de garganta. Desesperei, mas meu alívio foi saber que já estavam todos preparados com seus respectivos papéis e que fariam mesmo sem mim. Foi entao que olhei para fora para olhar o tempo: cinza, vento, frio.




Ótimo!
Ainda eram 06:30h. São Pedro ainda tinha oito horas pra mudar essa história.

Após alguma luta conseguimos juntar os músicos, comida, gente da organizaçao, miúdos e tudo o mais no Contentor. Eu, com uma cara de zangado-cansado no dia que achei que sorriria o tempo todo... Mas contente de ver que as coisas estavam caminhando.

Logo, a má notícia. Fari liga de Tofu, Inhambane, a 800km de Maputo: I can’t come, mate! I can’t make it!

Ótimo de novo!

As meninas logo começaram a animar os miúdos. Tirei os baloes do carro, o que logo juntou todos a volta do Contentor. Elas organizaram umas brincadeiras, e começaram a dar-lhes comida. Não era exatamente um Carril de Amendoim, o que dificultou um pouco a degustaçao, mas pelo menos estavam já preparados para uma tarde animada!

Lá dentro, quando começamos a tocar, foi que a mágica começou a acontecer. Os miúdos estavam ávidos pela festa, pela música, por nossa atençao, por dançar, participar, ganhar brindes... Todos nós estávamos também animados, motivados a fazer nosso melhor para criar um ambiente fantástico para eles.

O Sr. Mula, com sua extensa família, começou o espetáculo. Logo vieram as bailarinas, os bailarinos, e não demorou para que ele próprio do auge dos seus tantos anos, levantasse para dançar, para delírio do público.

Os jovens da percurssao seguiram, com uma adrenalina impressionante. Djambé, timbila, guitarra, baixo, canto... arrebentaram.

Entre os concertos, e os problemas técnicos, íamos fazendo os concursos de dança. Eu tinha trazido uns brindes – ursinho de pelúcia, bola de futebol, giz de cera, etc – para os vecedores. Eles piraram absolutamente. E nós mesmos ficamos impressionados com o desempenho deles na pista. Aos 4, 5, 6 anos já dançavam melhor que os mulungos todos juntos!

Enfim, o ambiente que criou-se ali foi fantástico. O último artista a entrar foi o Mr. John, que a princípio não iria tocar, mas sentiu-se entusiasmado pelo clima ali criado. Foi lá, e deu mesmo um show! Subiu em cima da caixa de som e tudo!

Para mim, o mais impressionante desse evento foi a voluntariedade de todos em dar o máximo de si para aquele grupo de 60 miúdos. Éramos mais de 30 pessoas reunidas, sem questionar dinheiro em nenhum momento, simplesmente para passar aqueles momentos com aqueles meninos e meninas desconhecidos.

Algumas pessoas do bairro agradeceram-nos após o concerto. Não precisava. Não precisava mesmo! Pois somos nós que temos que agradecer. Saímos todos com o coraçao cheio, de ver aquelas caras, a alegria genuína e ingênua daquelas crianças. De transparecer o prazer simples de passar uma tarde agradável, brincando, dançando, e acima de tudo, gozando daquela atençao toda voltada só para eles.

*(peixe tradicional desta regiao da Africa, preparado pela prima do Américo).

Obrigado,
Francês, coordenador legal e jurídico
Valentina, Coordenadora dos miúdos
Yara, Chefe da alimentaçao
Gonçalinho da Viola – que teve seu primeiro concerto de Marrabenta lá
Caroline
Alberto Mula e familia
Mondinho e os amigos da percurssao
Joao Aquino (Mr. John)
Ao safado do DJ Junior e sua equipe
Edson Mabote e família, que desceram de Malhazine pra fazer a segurança
Victor, o assessor jurídico
Ao fotógrafo até entao desconhecido Sérgio, o único no dia, que salvou-nos a pele
Stefania
Nicola Bona
Alessia
Serena
Giacomo, o Russo
Francesca
Leone, Silvia, Marcellin, Enrico, Nicola, Giovane, Guillaume, Laura e Sonia pela presença e animaçao
Tia Sofia, que nunca havia trabalhado tanto naquele Contentor...
Ao Secretário do bairro, a polícia, e até o vereador que concederam-nos a licença para fazer bagunça na casa dos outros