terça-feira, 24 de março de 2009

Medo dos Muçulmanos?




Desde a minha infância escuto histórias arrepiantes sobre a dominação muçulmana no mundo. "Eles são a religião que mais cresce. Temos que ficar de olho!". O atual Papa chegou ao ponto de dizer: "Mostre-me o que Maomé trouxe de novo, e só encontrará coisas más e desumanas". Outro, o Arcebispo de Lisboa, disse às mulheres portuguesas que ao casar com um muçulmano elas não imaginam a quantidade de "sarilhos" em que se estariam metendo. Não quero entrar aqui na questão da razão para este medo dos muçulmanos. A minha pergunta é: a quem ou a quê devemos realmente temer?




A Igreja Católica, somente nos últimos meses, foi a protagonista de dois episódios bastante ilustrativos de questões morais e éticas que afetam toda a sociedade. Primeiro, o da menina estuprada pelo padastro, que engravidou e abortou. No segundo, o Papa afirma na Nigéria que os preservativos não são a forma ideal de prevenir a AIDS, e que eles até aumentam o problema.




Na primeira questão, a da menina de 9 anos grávida do padrasto, uma simples dúvida. Por quê excomungar à mãe, ao médico, e não ao pai, que a violentou? Já sei que o argumento da Igreja é que, sob as Leis de Deus, o estupro é um pecado punível com uma simples confissão, enquanto tirar uma vida humana é inaceitável e merece o maior castigo aplicável pela Igreja.




Que inversão de valores é esta? É esta a mensagem que é passada ao bilhão de Católicos no Mundo? Que pelo estupro de uma criança de 9 anos, que deveria ser tratada como filha, o cidadão deve ajoelhar-se e rezar uma dezena de Ave-Marias, e está absolvido? Enquanto a mãe, que decidiu abortar os gêmeos (seus enteados-netos) do corpo de sua filha de 9 anos merece todo o castigo possível sob os olhos de Deus.




Não me surpreende que haja tantos casos de exploração sexual por padres na Igreja Católica. Esta hierarquia de castigos diz-nos muita coisa sobre o quê a Igreja acha ruim, e o que ela acha inaceitável. Forçar uma criança de 9 anos a satisfazer-lhe sexualmente é ruim, mas livrá-la do fardo de dar à luz um par de irmãozinhos é inaceitável.




Parece que o desenvolvimento moral desses homens estacionou no Pós-Idade-Média, ignorando qualquer evolução relativa aos direitos humanos.




No segundo caso, o dos preservativos, o Papa diz a um público africano que a camisinha aumenta o risco de contração do vírus da AIDS. Ao público africano! Num continente onde 22 milhões de pessoas têm o vírus HIV somente na parte Sub-Saariana. Só em Moçambique estima-se que 25% da população esteja infectada. O argumento, mais uma vez, já conhecemos bem: a melhor forma de evitar a transmissão de qualquer DST é através da fidelidade absoluta ou da abstinência sexual.




Ok. No entanto, sabemos que os hábitos sexuais na maioria das culturas sub-saarianas é de poligamia. Se não oficial, extra-oficial. O desafio aqui, portanto, é o de mudar uma cultura. Mudar os valores das pessoas. Fazer com que tenham em seus corações que devem optar entre ter uma mulher para toda a vida, ou nenhuma.




Do outro lado, temos a batalha pela disseminação da camisinha no Continente. 500 ONGs estão instaladas em Moçambique. Grande parte delas trabalha para a redução dos casos de HIV no país. 100% delas inclui a utilização da camisinha como fator-chave para este fim.




Diversos amigos meus, trabalhadores de ONGs instaladas nestes países há décadas, declaram a dificuldade em se mudar um comportamento, e até mesmo um simples hábito. Ou seja: colocar a camisinha antes de fazer sexo - mesmo que ela tenha sido gratuita.




Pois, estamos aqui diante de dois desafios: um monstruoso e um grande. O que a mensagem do Papa faz é aumentar a desinformação sobre o uso da camisinha. Que efeito terá entre as pessoas semi-analfabetas a mensagem do chefe da Igreja Católica, dizendo que o preservativo aumenta a disseminação da AIDS? Ela não constrói no sentido de aumentar a fidelidade/ abstinência do povo africano, e serve como argumento para a não-utilização desta ferramenta com pelo menos 90% de eficácia na prevençao.




Enfim, nesses dois exemplos que citei fica clara a distância da Igreja em relação à realidade humana. "Sua oposição (do Papa) à camisinha prova que o dogma religioso é mais importante para a Igreja Católica do que as vidas de africanos" afirma Rebecca Hodes da Treatment Action Campaign na África do Sul. E a nossa experiência da atuação da Igreja no Brasil confirma essa constatação.




E com isso, fico a pensar... será que devemos ter medo da expansão do Islã? Será que é este o inimigo a combater? Eu digo que não. Que devemos temer o radicalismo, os dogmas* que levam as pessoas a caminharem cegas, insensíveis ao que acontece ao seu redor.


Pois, vejo que no Islã, o perigo está nos fundamentalistas - aqueles que interpretam de forma literal os livros sagrados. O restante dos muçulmanos são pessoas normais, que certamente não passam a vida inteira a planejar uma insurreição contra os infiéis do Ocidente. Já na Igreja Católica, o perigo vem dos radicais, que defendem a aderência cega a conceitos ultrapassados, como os que aqui citei.

Âmbos comportamentos radicais levam a sofrimento, conflitos e mortes. A nossa história é manchada de sangue por causa desse tipo de conduta intolerante. Será que queremos continuar neste caminho?

*dogma: ponto inquestionável de uma doutrina

4 comentários:

Tati Arrebola disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tati Arrebola disse...

Concordo em genero, numero e grau. Otimo texto, parabens!!!!
Obs.: Odeio os paragrafos dos seus textos....rs
Beijos,

Anônimo disse...

É isso, né? Exatamente! Ahmed

Anônimo disse...

É Lu, todo exagero é ruim.
Tenho medo dos exageros.
E essa história de não à camisinha é um disparate. Excomunhão, então!
"Engraçado" é que Cristo falava de perdão, justiça, libertação.
Beijo. tia Luda