domingo, 8 de junho de 2008

A Morte do Credelevê

Gente, já pensaram que, com as novas regras ortográficas do português o crê-dê-lê-vê simplesmente morreu? Quantos neurônios já queimamos, com caneta na mao, com o "v" e o "e" já no papel, repetindo na nossa cabeça essa boa dica, para completar com sucesso o "êm", e concluir com um sorrisinho malandro de canto de boca agradecendo a pessoa que te passou esse infalível truque.
Agora já nao. Acabou-se!
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E o péla-saco? Virou um pelassaco? O guarda-roupa é um guardarroupa? E se eu for ao Brasil já nao pegarei um vôo, mas sim um voo! Que língua é esta, meu deus? E o pára-raios? Já virou para-raios ou pararraios?! Agora sim, mae, aquela pergunta que fiz aos 6 anos de idade faz sentido! É para os raios ou contra os raios? Responda-me bem CPLP. Hein?
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Daqui a pouco Tio Ache já vai começar a fazer outdoors pela cidade escrevendo que este ou aquele hipermercado é superbarato*! O jornal vai dar manchete que o candidato francês à presidência é um antissemita e o americano tem um passado heroico!
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A minha frustraçao vem por conta das mudanças desde que saímos da escolinha - que é nossa base cultural, naturalmente. Primeiro é o sistema solar, que deixa de ter nove planetas para ter somente 8. E as nossas piadinhas de criança, como ficam? "Vou te mandar lá pra Plutao", "aah! Fala que eu to em Plutao!!". Agora o sinonimo de longe e isolado qual vai ser? Aquele oitavo planeta cujo nome nem me lembro? Ou nos contentaremos com a Sibéria?
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Claro que fico contente com o fato (fato! Nao fa"c"to, Sr. Tuga) de as novas regras trazerem facilidades para a comunicaçao interpessoal lusobrasileira (¿¿¿Cadê o hífen???) e com a reduçao dos problemas que terei com a escrita aqui em Moçambique, relaxando meu policiamento quanto às "acçoes da directoria nos projectos de 2008".
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No entanto, ainda me incomoda muito ter um grupo de pessoas dizendo que o que a MINHA MAE me ensinou de repente virou balela, passado, museu, português arcaico! Mae, continuamos juntos. Vou repetir o seu crê-dê-lê-vê até nossos últimos dias. Essa e outras tantas regras passadas a base de repetiçoes infinitas e beliscoes contundentes formam o elo que nos manterá sempre unidos. Deixa a CPLP pra lá!
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Beijos a todos.
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PS: O til continua firme e forte na Lingua Portuguesa, só nao existe no meu teclado, este, espanhol...
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*Argumento derrubado pelo próprio Tio Ache, que me informa que hipermercado já se escreve junto! Ops!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Re: Ataques Xenófobos na África do Sul


Pois é, Tio. Muito feio mesmo o que vem acontecendo por aqui. Mais de 30.000 já voltaram, 60 deles em caixões. Outros milhares ficaram por lá, abrigados em igrejas e acampamentos improvisados, e a depender de doações de ONGs e cidadãos sul-africanos que se envergonham da barbárie de seus compatriotas.

Quando cheguei a Moçambique tinha a esperança de uma África Austral moderna, em crescimento e em caminhos de paz. Tendo o Quenia como principal promessa da região, Angola como a milionária do petróleo, a África do Sul como um modelo de "black empowerment" e Moçambique como um exemplo de Paz duradoura, todos começavam a olhar para cá com outros olhos.

No entanto, uma a uma as esperanças foram caindo. Quênia revelou o lado mais cruel dos africanos, com a limpeza étnica que caracterizou os mais sangrentos conflitos no continente, como Uganda, Ruanda, Congo, etc. Pessoas com catanas, facas e foices fazendo barragens nas estradas para eliminar qualquer pessoa de determinada etnia. Logo veio o Zimbabwe que, como todos já esperavam, caiu na desgraça após as últimas eleições. Mugabe não divulgou os resultados - largamente favoráveis à oposição - e logo começou a mandar matar e/ou maltratar os moradores de regiões que votaram contra ele. Chicotadas, correntadas e facadas em pessoas que cooperaram para o movimento - recebemos fotos de um cidadão que simplesmente deu carona para um grupo de votantes e por isso teve as costas esfoladas.

E agora a pancada veio de onde menos se esperava. Fotos nos jornais de multidões abanando catanas ao ar e expulsando a ferro e fogo os Moçambicanos, quenianos, angolanos, nigerianos, que eles culpam pelos altos indices de violência no país. Ora, que ironia, não é? Espancar até a morte pessoas que julgam responsáveis por atos de violência! É o auge da justiça com as próprias mãos. E quem é o juiz disso tudo? Será quem grita primeiro "É ele o safado! O Changana que anda roubando e estuprando".

Por falar em justiça com as próprias mãos. Outro dia, um domingo, fui acordado por gritos desesperados de "PEGA LADRÃO!!", seguidos de uma pancada seca que acredito ter derrubado o meliante. No que ele levanta-se para voltar a correr, mais uma série de porradas com gritos esgoelados de dor e súplica por misericórdia. E quem é o juíz disso tudo? Quem gritou primeiro "Pega Ladrão!". E quem vai dar a misericórdia? Ninguém, pois com a massa não se negocia. O destino desse homem já foi traçado quando começou a correr com a carteira na mão.

Nessas horas penso muito no que diz minha mãe. "É falta de Deus". Tem que ser mesmo. Nós não podemos tomar em nossas mãos o poder do juízo sobre a vida de outro ser humano. Decidir que o erro que o próximo cometeu é grave o suficiente para causar seu extermínio. E ainda mais grave quando levamos esse exemplo ao caso da Africa do Sul, onde grupos de pessoas julgaramm e condenaram povos inteiros.

Enfim, temos que tomar isso como ponto de reflexão. Afinal de contas, quem nunca acusou um certo grupo de pessoas pela criminalidade? Sejam negros, romenos, paquistaneses, ciganos, mexicanos, polacos... Sempre ouvimos e fazemos comentários com aparência de análises estatísticas e que começam essa bola de neve que acaba em genocídio. "90% dos presos são estrangeiros ou negros!", "desde a chegada desses romenos a criminalidade aumentou muito", ou o clássico "tinha que ser...".

Como não podemos chegar até a África do Sul para parar os ataques, proponho que todos nós façamos um esforço no sentido de exterminar esses pensamentos xenófobos de dentro de nós e assim contribuir efetivamente para um futuro mais cheio de paz e união entre os povos.

"If we want to change our world, we first change our thoughts, our expectations and our beliefs" (Gandhi)