segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Casamento Parte 4

Nesta imagem de alegria o único que destoa são as noivas. As oito em espera tinham cara de enterro. Parecia que sabiam que se casariam com um homem oficialmente polígamo, que as desprezaria o resto da vida, exigindo-lhes como se se tratasse de uma empregada doméstica. Mas isto não vem ao caso. O fato é que estavam ali e a família fazia a festa por elas.

Eu perdi esta parte toda, na verdade. Fui trocar o sapatinho da neta – Mai – e logo depois fiquei de fora, decorando meu próprio carro que buscaria os noivos na porta do palácio.


Esse momento, por sinal, foi o de maior alegria para o Sêo Adriano. É uma questão de status. Para um homem pobre, desprezado pela própria família, sair do Palácio com um mulungo de motorista é de balançar o coração. Eu imagino que no final da vida ter este tipo de prestígio era a realização de um sonho.


Na cabeça do mulungo se passava outra coisa. Aquela imersão na cultura local foi muito forte. O coro de várias pessoas e em perfeita harmonia entra na cabeça e hipnotiza. A pureza das crianças fascina, e a felicidade genuína de um senhor de idade emociona.

Chega a cadeira para a frente, abre a porta, desliga o rádio, ajeita o terno, olha para a câmera, tira foto do celular, cuidado com os pedestres, mas acelera que já estamos atrasados! Era um estado de nervos que só eu saberei. De repente passamos de desconhecidos ao papel central da felicidade de um grupo de pessoas. Isso dá muita alegria, mas é uma responsabilidade de dar arrepios.

Rumo ao Jardim dos namorados. Uma volta de uma hora para tirar fotos de todos em pose bonita, em frente aos jardins floridos de um inverno que mal veio.

De lá voltamos ao Malhazine para a missa. Três horas de pregação em Ronga*. Não bastasse, nos colocaram na parte mais a frente da igreja, mesmo antes dos noivos, em cadeiras com cara de VIP encostadas na parede.

Igreja Arca da Salvação está justo ao lado da casa do Sêo Adriano. Tem uma sala de aula num quartinho na entrada - sem cadeiras e com um quadro negro. Desde a porta do templo até o altar havia um “tapete vermelho” marrom com estampas estilo árabe em cor dourada. Feito de papel de presente. Ele nos levaria até o altar. Casamento Mabote ao lado esquerdo e de outra família ao direito.


Entre cinco pastores e dois casais parecia haver muito o que ser dito entre o “bom dia, irmãos” e o “até que a morte os separe”. Principalmente após a chegada de um grupo de mais vinte sul-africanos que vieram fazer intercâmbio religioso em Maputo, quando entrou em cena um tradutor Ronga-Inglês.

(Minha mãe vai adorar saber que existe uma tradução da Bíblia para o Ronga)



*Dialeto do Changane (pronuncia-se changana). Falado em Maputo.

Por: Luís Paulo R. Camisasca. Inverno de Maputo, 2007.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lu, gostei da parte que você pode dar o privelégio aos noivos de ter um motorista mulungo. Faz bem prá gente não é?!
Beijo Fá

LP Camisasca disse...

é verdade, fafá. e faz parte do amadurecimento tb, né? de repente temos uma responsabilidade até pela felicidade de alguém. Afetamos o dia, a semana e a vida de uma pessoa ou um grupo delas. Mto forte...

beijão, Fá!