sábado, 1 de dezembro de 2007

Casamento - Ultima parte

Acabando esse suplício fomos ao Copo d’Àgua. Noutro subúrbio chamado “Caniço”. Ali é tão rara a imagem de um carro-banheira decorado, com mulungos de motoristas, que as pessoas não se aguentavam e gritavam nomes para nós pela rua. Os mais simples iam para o básico “Muluuungoo!!” e outros pegos de surpresa mandavam um “ê! O mulungo é o motorista dos mulandi!”. Tudo isso acompanhado de sorrisos, risadas e gargalhadas.

A noiva só sai do carro quando a seqüência de tapetes de palha estendidos entre o carro e a casa está pronta. Ela não pisa no chão até chegar lá.

Ali dentro, no chão de areia, os coros puseram-se a cantar por aproximadamente meia hora. Já 16:30 de um dia que começou cedo... demais. Já estava muito perto da hora do jantar na casa do chefe da Louise. “Vamo pra casa!”. Que nada... Cometemos a maior gafe possível. As pessoas nunca haviam sido tão magoadas na vida. Um doido ia insultando-nos pelo caminho. “I know you’re europeans... time is money. But at least have a potato before you leave!”. Parece que sair sem comer é sinal que estamos com nojo da comida. Bem, fazer o quê... fomos embora. Eles não, até as seis da manhã do dia seguinte.

Edson e sua Mulher, Marta

As pessoas seguiram diretamente para a festa na Igreja Arca da Salvação. Nós pulamos esta etapa. Chegamos à casa do Sêo Adriano às 12h para o almoço que seria seguido da festa. As pessoas viradas do Sábado para o Domingo ainda achavam energia para dançar, comer e cantar. Tudo sem bebida, uma vez que era uma festa basicamente religiosa.

O auge da festa em termos culturais foi a chegada da família da noiva. Após estarem todos os parentes do Sêo Adriano acomodados à mesa, chega um “lululululu” massivo vindo da estrada. Um ônibus com os representantes da família da noiva. Elas (todas mulheres) entraram com seus respectivos presentes na casa central e ficaram lá até o momento da entrega. E o resto da festa imóvel enquanto passavam. Nada de cumprimentos nem cooperação no coro.


Esses miúdos...

Já o auge do ponto de vista do povo foi a tal entrega de presentes. Para começar os padrinhos, que são os verdadeiros responsáveis por toda a festa, colocam o seu no meio do pátio de areia. Um armário de madeira trabalhada com portas e estantes de vidro.

Nós, como convidados de honra, entramos no ritual. Eu não tinha presente, mas tinha 1.000 contos no bolso e um discurso pronto. A Louise deu a idéia de entrarmos com as crianças cantando algo em Ronga. Escolhemos uma líder que rapidamente juntou mais dez e serviram de pano de fundo para a principal cena da festa. Com passos lentos e embalados pelo coro infantil, fomos andando rumo ao centro do picadeiro com centenas de olhos e sorrisos sobre nós, e eu com os olhos fixos no Sêo Adriano, que quase me engolia com a expectativa do que poderia vir. Não só o dinheiro, mas também o gesto.

Os noivos e os padrinhos esperando os presentes

Chegando na frente dos noivos e padrinhos, pedi silêncio às crianças e fiz meu discurso aqui reproduzido:

“Nos enche de orgulho poder estar presentes e acompanhar tão de perto este importante momento na vida do Sêo Adriano e da D. Maria de Fátima, que depois de 40 anos de namoro oficializam sua união.

Agradecemos a oportunidade de poder participar desta cerimônia, conduzindo o casal.

Desejamos a vocês tudo de melhor e mais 40 anos de namoro.”

A voz era consumida pelos ares e devorada pela pequena multidão. Já não tinha energia para colocá-la mais alta, mas puxei do fígado e foi.

Ao final da festa, já escuro, com a pouca iluminação disponível no quintal de areia do Sêo Adriano, me juntei ao Edson para entender melhor o porquê daquele convite para participarmos de uma forma tão especial daquele momento. O homem explicou-me que ele e sua família são ignorados pela sociedade: amigos e até parentes mais próximos. “Somos pobres”, ele me dizia, “e a presença de pessoas tão importantes como o Sr. Luíx Paulo e a Dona Luisa dá muito prestígio à festa. A alegria das pessoas é enorme pela presença de vocês. Meu pai está muito feliz hoje por causa disto. É uma honra muito grande para ele.”

Maputo, Julho de 2007. Texto: Luís Paulo Camisasca. Fotos: Luis Paulo Camisasca. Fotos Palácio Casamentos: Louise Ribas.

Videos relacionados a este trecho da história:
http://br.youtube.com/watch?v=SepbK9xqPK0 (entrada familia da noiva)
http://br.youtube.com/watch?v=D691fGsI0Pk (eu entregando - 03 segs)
http://br.youtube.com/watch?v=OBohHg5sUYE (eu entregando - 01 seg)
http://br.youtube.com/watch?v=w7mkpywkVGw (entrega de presentes - senhoras)

Por: Luís Paulo R. Camisasca. Inverno de Maputo, 2007.

4 comentários:

Anônimo disse...

Lu, você aceitaria um novo convite para participar dessa longa comemoração?? Prá vocês foi tranquilo a exposição, por onde você passava, todos comentavam... Tô curiosa.beijo

LP Camisasca disse...

êê, fafá... sempre com a pergunta-chave.

a verdade é q dificilmente participaria se fosse algo parecido, com uma pessoa pouco conhecida (como aconteceu daquela vez). mas se fosse uma nova cerimonia, com alguem por quem tenho carinho... é claro q sim. :o)

realmente éramos o centro das atençoes. as pessoas riam-se de nós, e se perguntavam se falavamos portugues (pelo q o edson me explicou). tinham medo de chegar perto.

é uma relaçao mto dificil. mtos dos q se aproximaram acabaram pedindo emprego, ou outro tipo de ajuda. logo pensamos "po! q povo interesseiro!". mas temos q lembrar o gap enorme q existe entre as duas situaçoes. as pessoas tao lá passando fome, e nós desfilando de carrao com roupa brilhante e cheirosa... é complicado!

beijos, fá!

Anônimo disse...

Roger disse:
Importante passar por situações que no mínimo, possibilitem reflexões.As diferenças são às vezes difíceis, mas nunca deixam de nos enriquecer de alguma forma.

Saudades, Lu.
Tio Rô.

LP Camisasca disse...

Boa! Concordo plenamente. Se ficarmos só na normose, perdemos chances de evoluir como gente.

braço!