sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Augusto Cuvilas - Coreógrafo Moçambicano

Ontem fui a um espetáculo de dança criado por Augusto Cuvilas, conhecido coreógrafo e bailarino moçambicano. A peça, apesar de ter dado a impressão de improviso na maioria do tempo, teve momentos de beleza que emocionaram.

Chama-se "Um Solo Para Cinco". As mulheres, na maior parte do tempo completamente nuas, dançam num chão coberto por folhas secas, e com iluminação sutil. O movimento e a interação dos corpos cria um efeito visual fantástico.

Mas o que mais chama a atenção é a história de violência assustadora que serve de pano de fundo para a coreografia apresentada nesse Solo para Cinco.

.....
Madrugada do dia 22 de Dezembro de 2007. Polícia, ambulância, jornais, revistas, televisão. Um corpo morto no chão. Negro, com cabelo rasta, vinte-e-poucos anos.

Poucas horas antes, uma cena de assalto na casa de Augusto Cuvilas. Pessoas armadas invadem sua casa declarando o roubo. Cuvilas consegue se desvencilhar dos ladrões e ligar para a polícia, que consegue chegar a tempo para flagrar o delito.

Os policiais chegam, batem na porta, e entram na casa agressivamente atirando antes para fazer perguntas depois. A primeira vítima foi o jovem rasta, negro. Não tiveram dúvida, atiraram para matar. Era o Cuvilas.

.....

A morte do coreógrafo chocou o país inteiro. Como pode a pessoa que chamou a polícia tomar um tiro mortal? Começamos a pensar se vale a pena chamar a polícia ou se é melhor deixar o ladrão agir!

Os policiais estão armados até os dentes com equipamento herdado do tempo da Guerra. Metralhadoras, fuzis, automáticas, etc. Excessivo para o policiamento civil cotidiano. E excessivo para pessoas sem treinamento, e até sem físico para aguentar o peso da arma. Eles, magros, fracos, sub-nutridos, com uma AK-47 pesando sobre os ombros. Sempre desvio o caminho quando vejo um desses.

Além disso, ganham um salário ridículo (dizem, menos de 2.000mtn: 80USD), e vivem de extorquir as pessoas para o "refresco = 50mtn", "cervejinha = 100mtn", "ajudar a comunidade = 200 ou mais, quando estão em grupo".

É muito comum ver policiais militares agindo como polícia de trânsito, pois sabem que os motoristas pagam mais. Ontem mesmo me parou uma dessas caminhonetes com 8 ou 10 PM.

"Carta de Condução e livrete, por favor"

Nem é a responsabilidade deles, mas como estão todos com fome, sede, mal pagos, e com armamentos de guerra na mão, obedeço. Como não tinha o livrete, tive que "ajudar a comunidade". Se não tivesse nada errado, seria só um refresco (já percebi que o fato da minha carteira ser brasileira entra constantemente nessa categoria.

Enfim, Cuvilas foi mais uma vítima da falta de preparação da nossa polícia. História desgraçadamente familiar para ouvidos brasileiros. Espero que aqui as coisas se desenvolvam de forma diferente.

4 comentários:

Tati Arrebola disse...

Sempre fico impressionada com as suas postagens, as vezes chego a pensar que vc é doido por estar num pais que parece ser ainda pior que o nosso querido Brasil. Mas com certeza as maiores "experiencias de vida" vem com as maiores dificuldades! Parabéns!!!!!
Beijos e saudades,
Tati

Anônimo disse...

Daí LP! Como você esta brou? Eu tinha entrado aqui uma vez quando você colocou o endereço no seu nome no msn, adicionei nos favoritos e hoje entrei de novo. Velho, Parabéns pelos textos! Histórias que com certeza você vai levar para a vida inteira e compartilha com a galera pelo site.
Valeu,
Luiz Felipe

Anônimo disse...

eh pá eu acho que se você não tinha livrete tinha mesmo é que pagar a multa de 1000 Meticais e ajudar o Ministério do Interior! Assim talvez eles consigam juntar mais dinheiro e treinar os agentes e comprar armamento novo!

O que é que você faz quando anda sem livrete no Brasil?

Fica a provocação...
Abraço e até já

LP Camisasca disse...

Rapaz... Gonçalo, as vezes que fui pego sem documento no Brasil, pediram pra alguém ir buscar em casa, ou então fazem o check da viatura no comando, pra garantir que não é roubada e deixam ir embora.

Concordo que a responsabilidade da redução da corrupção é tanto do que corrompe quanto do corrompido.
No entanto, no nosso caso em Moçambique, eu já dei uma dessas "voltinhas" com a picape da Polícia, e acho assustador. Eu insisto para irmos à esquadra, e eles fazem diversas paradas pra "fazer terror", como dizemos no Brasil.

Espero que você faça parte do grupo dos "bons", que insistem em não pagar a cervejinha.

Um abraço!

Luís