segunda-feira, 7 de abril de 2008

Personagens da Minha Vida Moçambicana - Parte II

Zé e Macuacua

A pedido do grande amigo e ex-vizinho James Augusto da Silva, conto sobre os dois guardas-porteiros-faz-tudo Zé e Macuacua.

Acabo de chegar da rua. Passei a tarde fazendo “trabalhos de sábado” que, na cultura da minha casa quer dizer comprar coisas para melhorar a casa e aumentar a cultura cinematográfica e musical. Quando a limusine libanesa desponta no início do meu quarteirão já nota-se uma agitação na porta do prédio ao lado do banco. Alguém corre animado e se livra dos dois cones que reservam o lugar do “patrão”.

- Boa noite, Zé! Tá bom?

- Boa noite, patrão! Simsim. To bem sim, não sei do seu lado.

Cara de menino, sorriso ingênuo e uma vontade genuína de ajudar as pessoas. A paixão com que atende cada necessidade dos seis “patrões” da Mártires da Machava 133 é comovente. Nao passo um dia sem olhar para ele com olhos brilhantes e sobrancelhas arqueadas como quem admira um ato profundo feito de coração. Nem que seja o ato mais simples, vê-se que o homem tem uma motivação inspiradora em fazer com que cada um de nossos dia seja mais leve. Tira o peso da porta, o peso das compras, o peso do mau-humor matinal com um largo sorriso olhando nos olhos...

- Bom dia, patrão!

- Porra, Zé! Logo hoje que tava disposto a ter uma manha miserável!!

Exagerei um pouco. Mas deu para ter uma idéia do “efeito Zé”.

Outro dia teve um filho, o gajo. James, meu ex-vizinho e grande brada, já vinha me perguntando há meses do Zezinho. Ao telefone nem falávamos mais de nós. “Luis, e o filho do Zé , nasceu?” Patrão James tava ansioso. Foi meu vizinho-de-portas-abertas e grande brada (brother) por vários meses. Tempo suficiente para se apaixonar pelo Zé. James é brasileiro e um pouco inglês, tem dois filhos lindos e loiros e a mulher, Kate, além de uma paixão pela vida que nunca havia visto e uma sabedoria que não condiz com seu olhar juvenil.

Em fevereiro nasceu o James. Sim. Não quero confundir tua cabeça. O filho do Zé levou o nome do patrão...

- (eu) Zé!!! Não acredito! O miúdo chama Patrão James??

- Heheheh! Chama-se James simsim patrão.

- Caramba!! Parabéns, Zé!! Que ótimo, rapaz! Vou ligar pro James. (isto um dia antes do aniversário do homem)

Tadinho. O Zé não entendeu nada. Devia achar que o James tava na Matola, enquanto tava lá em Londres, curtindo um friozinho outonal. Ficou emocionado que ouvi sua voz tremular no telefone. “É menino, Patrao James!! ... É James, James, patrão!”

Ao final de alguns minutos de conversa empolgada pego o telefone, ainda quente, e ouço um James ainda bufando com tanta emoção. Caralho, Luis!! Que bom, cara! Tô feliz pra caralho, cara!!

Pô! Só o Zé pra emocionar a milhares de milhas com tanta vivacidade. Antes de eu contar o causo ninguém acreditava. Tudo bem...

Voltando pra informação prática, ele trabalha aqui embaixo como porteiro, fazendo turnos de doze horas com o Sr. Macuacua, que provavelmente é o chefe e guia espiritual entre os guardas – tanto do prédio quanto do Banco ao lado de casa, que faz com que a entrada vire um entulho de seguranças e policiais que gastam 80% do tempo em análises anais. Enfim, o Sr. Macuacua tem um sorriso-patrao e uma voz-patrao. Por um “bom dia patrão” deve gastar tanta energia que tem que descansar por uma hora, encostado em sua árvore.

A profissão secundária do homem – que é praticada concomitantemente ao ofício de segurança do prédio – é a de sapateiro. Senta a bunda num pedaço de concreto ao pé da Acacinha (Acácia em frente de casa, batizada pelo Tio Rô-ger) e recosta em seu tronco para o devido repouso bi-minutal. A posição estratégica para defesa do patrimônio dita que deve sempre estar de frente para a porta do prédio e de costas para a rua, deixando três metros de calçada no meio para melhor visualização, classificação e categorização das bundas locais.

Dentro das opções locais para enganadores o Sr. Macuacua costuma estar dentro de “to-te-fazendo-de-trouxa-mas-num-liga-não-porque-a-cada-Metical-que-te-arranco-você-ajuda-o-povo-africano-que-sofre/não-me-leve-a-policia-porque-vão-me-bater-e-quebrar-meus-dentes-que-formam-meu-sorriso-falso-que-é-meu-sustento-no-final-das-contas.” Primo primeiro da Proprietária dos Infernos.

Um desses dias infelizes, esqueci a janela do carro aberta. Tipo, não há grandes riscos na região, devido ao elevado número de guardas por metro quadrado, mas é bom saber, né? Macuacua me avisa às onze horas da manha do outro dia, com um sorriso irônico na cara

- “bom dia patrão! O patrão esqueceu o vidro do carro aberto, né patrão?”

- que?? Não acredito!!

- Não não, patrão! Não há de se preocupar. Tá aqui pertinho da gente.

- Tá bom, Macuacua! Mas podia falar de primeira, né?

- Ah, não há de se preocupar não, patrão! Nós até revezamos pra ver quem dormia dentro... não há de roubar nada não.

Putz! Fala sério... ao abrir a porta do carro, tinha uma nuvem de mosquitos curtindo o extrato de sumo catinguento resultante das horas ao sol combinadas de uma meia dúzia de homens com acesso limitado a fontes de água corrente. Andei três horas com o vidro aberto mas a mosquitada só foi embora ao som espirrado do Baigon.

Logo ao chegar no apartamento onde moro atualmente...

(péééééé)

- Patrao, tenho que falar com o patrão. Quero discutir quanto o patrão vai nos pagar.

- Beleza. Entra, fica a vontade.

- Entao? Quanto os vizinhos costumam te pagar?

- Aah! Varia né, patrão?! (sorriso)

- Varia de quanto pra quanto?

- Aaaaah... tem o patrão Machalumaba que paga mil pra cada, né? Tem também o patrão James que paga quinhentos... Mas se o patrão tem carro, e tem que guardar vaga, custa mais caro...

- Ok... vou falar com eles e volto a dizer algo.

Po! Eles não tavam pagando nem duzentos para cada um! Tipo... se eu fechasse negócio com ele de pagar mil, o que ele diria no outro dia, quando eu descobrisse que era mentira? Imagino que algo na linha “aah, patrão! O senhor sabe, né?... Nem sempre a gente pode dizer a verdade, né...!”

6 comentários:

Anônimo disse...

Lu, que legal você lembrar dos trabalhos de sábado... Era muito bom sair com o papai para comprar as coisas que estavam faltando e chegar em casa cheios de novidades... Adorei a história do filho do Zé, da emoção do James e da sua empolgação em ser o mediador de toda essa história. Cuidado na hora de sair do carro... Lembre sempre de verificar se a janela tá fechada ou se não, coloque uma trava elétrica. kkkkkkk. beijo. Fá

Maria Raimundo Nunes disse...

Olá Luis!! Lembraste de mim...Maria? Fui colega da Lu em Maputo na Draftfcb, namorada do Ricardo? Descobri o teu blog por acaso, gostei muito. Fico feliz por saber que está tudo bem contigo e que continuas em Maputo. Beijo gande

PS:Manda noticias**

LP Camisasca disse...

noossa! maria!! que legal q me achaste aqui! só nao pode contar pra ninguem. senão daqui a pouco os moçambicanos que fazem parte das historias vão vir apedrejar minha casa.

beijo! (deixei mensagem no teu blog)

LP Camisasca disse...

fafá!! a fiel irmã, que acompanha cada um dos meus passos sem esquecer o carinho e o cuidado dos conselhos de quem ama o irmão'zinho'.

eu posso prometer que tentarei fechar a janela, mas sabes que há de chegar o dia em que ficará aberta. pra isso estão os anjos-da-guarda enviados e mantidos pela mamãe.

beijos!!

Frederico disse...

porra LP,

fiz meu dia lendo essas estorias suas aí. cara, consigo visualizar tudo, lembrar de tudo.

q saudades daí!

Anônimo disse...

Passa pela minha mente em algum momento estudar antropologia...eu vou ter que gastar uns 18 meses da minha tese aí em Maputo...que loucura...eu eu achando que sabia negociar...ABRAÇOS..Jaca
OBS: sabado dia 26 é aniversario de mascote