sexta-feira, 17 de abril de 2009

Apresentação do Edson à Família da Marta










Domingo passado fui à casa do Edson, em Malhazine... Lá onde o Sêo Adriano Mabote casou-se com a Dona Fátima depois de 40 anos de namoro. Pois é. Agora é a vez do filho começar os preparativos.

Presenciei a cerimônia da apresentação. Como a namorada dele mora em Inhambane, a mais de 600km daqui, tiveram que fazê-la a distância. Explico:

A Tia Fernanda, Delegada da Frelimo (partido no Governo) e mais dois tios foram encontrar a família da namorada nessa vilazinha. Saíram às 05h da matina dum sábado num onibus com bastante dinheiro no bolso e disposição para negociar.

Chegando lá, 12 horas mais tarde, caminharam mais 7km, e foram recebidos com muita festa e cerimônias tradicionais. Agora... sente-se à mesa!

Em jogo estava a filha. A namorada do Edson: Marta. Os familiares dela faziam muita questão de enfatizar para o Edson (cuja presença era dispensável no dia) que ele havia cometido erros e devia pagar multas por isso. Preço final: 2.500 meticais = 250 Reais.

As multas podem ter qualquer motivo. A dele veio por haver cometido adultério com Marta por um período de cerca de 3 anos. E ainda vai ficar devendo 1.500 meticais para pagar aos poucos. Para quê? Para fechar as entradas... garantir a exclusividade... ter certeza que ninguém vai urubuzar a menina.
Há 3 anos atrás... Edson e Marta foram pegos em flagra. Após uma noite juntos na casa dele, em Malhazine, ele foi levá-la em casa pela manhã. Ao chegar, foram pegos pelos pais dela.
- Só podes levá-la de volta pra casa!
- Nãão... dixxculpa lá... não é nada dissoo...
Depois de algum blablabla, Edson consegue voltar a casa sozinho. Bem.
No outro dia, chegam na casa dele, cinco homens, e a Marta atrás. O que vinha à frente do grupo levava um cajado na mão. Era o conselheiro.
- Você é o Edson Mabote?
- Sim. Sou eu.
- Marta, você conhece esse homem? Dormiu aqui ontem?
- Sim.
- Você gostou dele? Se divertiu?
- Sim.
- Então, deixem lá ela. Agora ele é que toma conta dela.
- (edson) Não, mas vamos lá conversar, porque...
Cajado ao ar, homens tensos, discussões em dialeto... Em suma, ela deve ficar na casa dele daqui em diante. E se um dia levá-la de volta, vamos voltar a trazê-la aqui.
Foi assim que começou o processo para o casamento. E por isto ele teve que pagar caro.
Ao final das negociações, combinaram a data do casamento para Outubro deste ano com as seguintes condições:
- A cerimônia deve realizar-se em Inhambane às custas do noivo
- Para o Lobolo (dote) a família do noivo deve providenciar:
. 2 porcos (1 femea 1 macho)
. 2 cabritos (1 femea 1 macho)
. 75kg de arroz
. 50kg de farinha de milho
. 2 capulanas mucumbe (2 costuradas por uma renda no meio) para a mãe
. 2 capulanas mucumbe para a avó
. Roupa da noiva
. Fato do pai completo
. 10 caixinhas de sumo Davida
. 1 lâmina de lenha
A partir daí, a Martinha é toda do Edson. Ou melhor: da família do Edson. Ela continua a morar com eles, e como a nora mais nova, cuida das tarefas domésticas num terreno de 300m2 e três casas.

terça-feira, 24 de março de 2009

Medo dos Muçulmanos?




Desde a minha infância escuto histórias arrepiantes sobre a dominação muçulmana no mundo. "Eles são a religião que mais cresce. Temos que ficar de olho!". O atual Papa chegou ao ponto de dizer: "Mostre-me o que Maomé trouxe de novo, e só encontrará coisas más e desumanas". Outro, o Arcebispo de Lisboa, disse às mulheres portuguesas que ao casar com um muçulmano elas não imaginam a quantidade de "sarilhos" em que se estariam metendo. Não quero entrar aqui na questão da razão para este medo dos muçulmanos. A minha pergunta é: a quem ou a quê devemos realmente temer?




A Igreja Católica, somente nos últimos meses, foi a protagonista de dois episódios bastante ilustrativos de questões morais e éticas que afetam toda a sociedade. Primeiro, o da menina estuprada pelo padastro, que engravidou e abortou. No segundo, o Papa afirma na Nigéria que os preservativos não são a forma ideal de prevenir a AIDS, e que eles até aumentam o problema.




Na primeira questão, a da menina de 9 anos grávida do padrasto, uma simples dúvida. Por quê excomungar à mãe, ao médico, e não ao pai, que a violentou? Já sei que o argumento da Igreja é que, sob as Leis de Deus, o estupro é um pecado punível com uma simples confissão, enquanto tirar uma vida humana é inaceitável e merece o maior castigo aplicável pela Igreja.




Que inversão de valores é esta? É esta a mensagem que é passada ao bilhão de Católicos no Mundo? Que pelo estupro de uma criança de 9 anos, que deveria ser tratada como filha, o cidadão deve ajoelhar-se e rezar uma dezena de Ave-Marias, e está absolvido? Enquanto a mãe, que decidiu abortar os gêmeos (seus enteados-netos) do corpo de sua filha de 9 anos merece todo o castigo possível sob os olhos de Deus.




Não me surpreende que haja tantos casos de exploração sexual por padres na Igreja Católica. Esta hierarquia de castigos diz-nos muita coisa sobre o quê a Igreja acha ruim, e o que ela acha inaceitável. Forçar uma criança de 9 anos a satisfazer-lhe sexualmente é ruim, mas livrá-la do fardo de dar à luz um par de irmãozinhos é inaceitável.




Parece que o desenvolvimento moral desses homens estacionou no Pós-Idade-Média, ignorando qualquer evolução relativa aos direitos humanos.




No segundo caso, o dos preservativos, o Papa diz a um público africano que a camisinha aumenta o risco de contração do vírus da AIDS. Ao público africano! Num continente onde 22 milhões de pessoas têm o vírus HIV somente na parte Sub-Saariana. Só em Moçambique estima-se que 25% da população esteja infectada. O argumento, mais uma vez, já conhecemos bem: a melhor forma de evitar a transmissão de qualquer DST é através da fidelidade absoluta ou da abstinência sexual.




Ok. No entanto, sabemos que os hábitos sexuais na maioria das culturas sub-saarianas é de poligamia. Se não oficial, extra-oficial. O desafio aqui, portanto, é o de mudar uma cultura. Mudar os valores das pessoas. Fazer com que tenham em seus corações que devem optar entre ter uma mulher para toda a vida, ou nenhuma.




Do outro lado, temos a batalha pela disseminação da camisinha no Continente. 500 ONGs estão instaladas em Moçambique. Grande parte delas trabalha para a redução dos casos de HIV no país. 100% delas inclui a utilização da camisinha como fator-chave para este fim.




Diversos amigos meus, trabalhadores de ONGs instaladas nestes países há décadas, declaram a dificuldade em se mudar um comportamento, e até mesmo um simples hábito. Ou seja: colocar a camisinha antes de fazer sexo - mesmo que ela tenha sido gratuita.




Pois, estamos aqui diante de dois desafios: um monstruoso e um grande. O que a mensagem do Papa faz é aumentar a desinformação sobre o uso da camisinha. Que efeito terá entre as pessoas semi-analfabetas a mensagem do chefe da Igreja Católica, dizendo que o preservativo aumenta a disseminação da AIDS? Ela não constrói no sentido de aumentar a fidelidade/ abstinência do povo africano, e serve como argumento para a não-utilização desta ferramenta com pelo menos 90% de eficácia na prevençao.




Enfim, nesses dois exemplos que citei fica clara a distância da Igreja em relação à realidade humana. "Sua oposição (do Papa) à camisinha prova que o dogma religioso é mais importante para a Igreja Católica do que as vidas de africanos" afirma Rebecca Hodes da Treatment Action Campaign na África do Sul. E a nossa experiência da atuação da Igreja no Brasil confirma essa constatação.




E com isso, fico a pensar... será que devemos ter medo da expansão do Islã? Será que é este o inimigo a combater? Eu digo que não. Que devemos temer o radicalismo, os dogmas* que levam as pessoas a caminharem cegas, insensíveis ao que acontece ao seu redor.


Pois, vejo que no Islã, o perigo está nos fundamentalistas - aqueles que interpretam de forma literal os livros sagrados. O restante dos muçulmanos são pessoas normais, que certamente não passam a vida inteira a planejar uma insurreição contra os infiéis do Ocidente. Já na Igreja Católica, o perigo vem dos radicais, que defendem a aderência cega a conceitos ultrapassados, como os que aqui citei.

Âmbos comportamentos radicais levam a sofrimento, conflitos e mortes. A nossa história é manchada de sangue por causa desse tipo de conduta intolerante. Será que queremos continuar neste caminho?

*dogma: ponto inquestionável de uma doutrina

quarta-feira, 18 de março de 2009

Dj Rajô, Presidente de Madagascar



Após dois meses de queda-de-braço com o presidente eleito pelo povo em 2007, Andry Rajoelina assume o poder em Madagascar.


A 18 de Março de 2009 a alta Corte do País aceita-o oficialmente como Presidente. O exército, normalmente neutro em crises similares, tomou o lado de Rajoelina e depôs Ravalomanana do poder.


Rajoelina, de 34 anos, era DJ antes de ser eleito prefeito de Antananarivo, a capital de Madagascar. Há dois meses foi deposto de seu cargo pelo já ex-presidente Ravalomanana e iniciou uma série de protestos violentos no centro da capital, que acabaram em quebradeira e saques a tudo o que representava o grande dinheiro do país.


Desde que cheguei em Moçambique, em 2007 já acompanhei de perto:


- Kenya em 2007-2008 (crise entre tribos acabou em tentativa de limpeza étnica contra os que representam o poder)
- Zimbábue 2008-2009 (eleições fraudadas por Mugabe. Fome, cólera, inflação atingem níveis absurdos)
- África do Sul 2008 (Ataques xenófobos nas periferias de Joanesburgo)

Além do Congo, Sudão (Darfur), Serra Leoa (ataques e estupros em massa semana passada), Guiné-Bissau (assassinato do Presidente Nino Vieira)... Parece que no Brasil evitamos falar muito sobre a África. Parece que já pensamos que o continente já está bastante fudido... está abaixo do nosso nível de consciência.

Na foto acima, o DJ-Presidente cumprimenta um simpatizante.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Primeiras Impressoes

----> Texto escrito logo após minha chegada a Maputo - Maio, 2007 <---------
.
.
.
Nossa! A África é impressionante mesmo! Dormi vendo o pôr-do-sol do Saara, e acordei admirando a mistura de montanhas e floresta do Sudeste do continente. Moçambique é muito rico. Um verde intenso, cortado por rios em S e manchado por lagoas brilhantes. Imagino a vida que tem lá em baixo... Descendo do avião já sinto o sol aquecendo ate a alma, que responde com uma vibração intensa pelo corpo, expressa num sorrisão de boas-vindas a si mesmo. Sinergia instantânea com o ambiente. Sem duvida esta terra é irmã do Brasil. Entro na sala de chegada do aeroporto, mil fotos de negras com vestidos típicas, com a cara revestida em branco reforçando as boas-vindas, em inglês. To me sentindo no Jardineiro Fiel. Ate que chega a fila de controlo de passaportes. 15 minutos, meia hora... 45 minutos... passo. Balãozinho de pensamento: "Finalmente vou pegar minha mala". Nada. Correia de bagagens parada com 3 malas e 5 pessoas sentadas em cima. Pergunto ao grupo de funcionários que conversavam em dialeto. Todaj ax malax de Joanexburgo extao aqui, senhori. Ta certo. Realmente ser irmã tem seus pontos fortes e os fracos... Apos a reclamação, sai para a rua (atravessar o aeroporto demora 2 minutos - igual Vitoria), e vejo contra o sol 5 homens apoiados numa grade, que se ajeitam quando me vem, e levantam cada um a sua plaquinha de hotel. Nada do meu Ibix. Afinal, peguei um carro de outro hotel, e descobri que as plaquinhas não são lá muito fieis. 1 dólar pro ajudante, 5 pro motorista, e chego no Hotel. No caminho, parecia que eu estava rodando um documentário sobre o bairro do Soweto, na África do Sul. Essas favelas de casiculas que se estendem desorganizadamente por quilômetros (em plano - não montanhas). E no contato com a rua, vários quiosques mal-pintados com as cores da Coca-Cola. Num deles, uma criança mínima, sem camisa, deitada no balcão. O transito, calmo. Volante à direita, provavelmente inspirados pelos sul-africanos. As condições das ruas, péssimas. Calcadas se desintegrando em terra pra juntar-se ao asfalto. Carros de 1980. Alguns novos demais. Muitas caminhonetes toyota antigas - me lembrou Iraque (que nunca vi).
.
.
.
Mais tarde, resolvi dar uma volta para trocar o dinheiro. A impressão que tenho daqui eh realmente que deram um controlC na civilização européia e colaram na vida tribal africana. Parece que as pessoas não estão preparadas pra trabalhar, pra viver em uma cidade, pra produzir, pra se comunicar em português... não parece natural deles, sabe?
.
.
.
O que eles são muito bons é em contato pessoal. Apesar de que eles me tratam com bastante desconfiança ainda, depois de algum tempo rola uma conversa mais relaxada. Os olhares que sinto são diversos, mas que me causam alguma tensão. As vezes me sinto como um turista americano na praia de Copacabana, as vezes me sinto um europeu explorador, as vezes o sultão do petróleo cheio da grana... Tudo menos "um deles". Isso com certeza.
.
.
.

Mas tenho esperança que isso mude um dia. Pois por enquanto a casca européia ainda esta muito presente. Até agora não consegui relaxar caminhando pelas ruas. Olho com olhos de estrangeiro caminho em ritmo acelerado, como quem tem um objetivo traçado.
.
.
.
Eles, por outro lado, tem um espirito diferente. Você olha pra cara de qualquer um, e não parece que estejam realmente desempenhando aquela tarefa. Quando caminham, são cheios de graça, de rebolado, de aparente despreocupação... Quando alguém esta te atendendo ou trabalhando, parece que estão jogando paciência e muitas vezes tem 5 pessoas pra uma tarefa, sendo 4 observadores... Acho que é por isso que me lembrou Porto Seguro. Um clima de tranqüilidade, de que o tempo parou... o sol forte, muita gente pela rua, crianças correndo, batalhões de vendedores de rua, gente pedindo... e logo o centro da cidade, com a estatua de seu primeiro presidente - Samora Machel -, o único edifício realmente branco da cidade - a igreja da Se - e o palácio do governo. O almoço de hoje foi ótimo. Um Caril de Camarão. Igual o bobó, mas com um gostinho discreto de curry. Achei ótimo. Menos de 10 euros (300 meticais) pra duas pratadas com muitos camarõezinhos, e uma coca-cola. O tempo é ótimo. Não está muito úmido e faz calor. Tem ar condicionado no quarto. As pessoas, muito legais, depois que você quebra o gelo. As lojas aqui perto parecem o centro de vitoria. Preço baixo com produtos simples. Fui num mercadinho que tinha de tudo. Comprei uma pasta de dente e uma escova (já que minha mala não chegou ainda) por 30 meticais. Menos de 1 euro. Sorte que eu trouxe algumas coisas na mala de mão, por precaução.
.
.
.
O metical tem Samora Machel na frente, e bichos variados atras. Veados, elefantes, leões...